A irrelevância que o tempo traz

"Hoje, seis dias depois que tudo terminou, já dá para escrever sobre quase tudo o que vivi. Na noite do dia 16 eu chorava e dizia que não sabia se aquela havia sido a melhor ou pior noite de toda a minha vida. Sinceramente até hoje não encontrei a resposta. Nesses 6 dias que se seguiram certas imagens não me saem da memória, como o Beto gritando "INJUSTIÇA!", os meninos chorando, o Flávio me abraçando em prantos e dizendo que só ia conseguir superar tudo aquilo no dia em que a gente se casasse, a Gi entrando em desespero ajoelhada no meio do baile e meu pai soluçando de tanto chorar depois da homenagem aos pais. E daí que não posso ouvir uma música bonita que essas imagens me vêem à cabeça e desato a chorar. O que será daqui prá frente meu Deus? Como seguir em frente depois de ter vivido e deixado prá trás os melhores anos da minha vida?"

Estou lendo "A visita cruel do tempo", de Jennifer Egan (Ed.intrínseca). O livro fala dos efeitos da passagem do tempo e da descoberta de que o tempo muda as pessoas e os sonhos. Faz pensar sobre o que o tempo nos fez ganhar, e no que ele nos fez perder.

Dizem que o tempo cura. O que sinto muitas vezes é que a passagem do tempo torna tudo irrelevante, como se o que num dia foi tão importante hoje não passe de memórias e lembranças. Mais ou menos como reencontrar um amigo de infância e perceber que não existem mais afinidades, somente um passado em comum.

A visita do tempo é cruel até quando ameniza a dor. Porque quando nos desvencilhamos da dor nos despedimos de quem fomos também. Mais ou menos como deixar partir um amor de dentro de nós. Nos agarramos a esse amor como se a pessoa amada ainda fosse o mais importante e desconhecemos a dificuldade de despedirmos de quem nós fomos ao lado dessa pessoa. Ao despedir-nos de um amor de anos, rompemos um elo com uma parte de nós que não existe mais, que invariavelmente terá que ser sugada pelo tempo também; por isso é tão difícil.

Ao longo da vida, os sonhos se constroem e se desfazem e é engraçado nos depararmos com os planos que tínhamos, com as histórias que começaram e terminaram, com os desfechos que desconhecíamos há 20 anos.

"No peito a saudade cativa/ Faz força pro tempo parar/ Mas eis que chega a roda viva e carrega a saudade prá lá..."

Escrevo diários desde os 12 anos. Tenho todos guardados num baú e de vez em quando me permito uma viagem no tempo. Encho uma taça de vinho, busco a chave guardada numa caixinha especial, desço o baú da estante e revisito 25 anos de história.

Minha história se desenrola segundo minha versão documentada dos fatos, e hoje, mais madura, vejo quanta coisa poderia ter sido diferente se eu já soubesse naquela época tudo o que sei hoje. Apesar de não me arrepender de nada constato como o tempo modelou minhas reações, estratégias e decisões. Como espectadora do meu passado, gosto de imaginar como poderia aconselhar aquela que fui e que se via tão perdida em paixões, dores e dúvidas...

"A gente vai contra a corrente até não poder resistir/ Na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir..."

Do mesmo modo, ainda desconheço quanto minha história atual será revisitada aos 60 ou 68 anos e novamente reavaliada, percebendo que hoje faço coisas que não deveria, me atiro sem pensar, penso demais quando deveria me arriscar, cuido do que não devia e descuido daquilo que é importante.

Uma de minhas memórias data de dezembro de 1995, seis dias após minha formatura na faculdade. Compartilhei com vocês um trecho_ em que troquei os nomes _, no início desse post, relíquia de uma menina de 21 anos que ainda não sabia o que o futuro lhe aguardava logo ali à frente. Quando escrevi aquelas linhas o desespero com o futuro, a dor da despedida, as incertezas do coração consumiam meus dias. Hoje são só lembranças de um tempo bom; e ainda que eu seja uma alma nostálgica, o tempo tornou tudo irrelevante...

"O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração..."