O Reencontro

Augusto e Helga, quando adolescentes, curtiram louca paixão. A família da mocinha mudou-se de cidade e, com o tempo, aquele amor minguou para juras e cartas apaixonadas. Passados allguns anos, Helga casou-se com um oficial do exército. Augusto, ao saber daquela união, resolveu tomar tenência (sem trocadilho) e tomou Juliana como esposa..

Apesar de viver quase feliz, Augusto nunca esqueceu o seu primeiro amor; vez por outra, flagrava-se pensando num reencontro - pequenino que fosse - com Helga.

Vinte e cinco anos se passaram e Augusto enviuvou. O sonho de retomar a vida com Helga aflorou. Ao saber que a ex-namorada também estava viúva, nosso Romeu decidiu ir em busca de seu grande sonho.

Chegando à cidadezinha, colheu informações e localizou o endereço da amada. No dia seguinte, cedinho, postou-se frente à casa de seu amor. Não demorou e, na varanda do bangalô, surgiu uma mulherona que pesava mais de cem quilos. Teve ímpeto de aproximar-se daquela mulher e perguntar por Helga. Conteve-se. Algo naquela gorda parecia-lhe familiar.

A obesa saiu à rua e Augusto, em precavida distância, acompanhava-lhe os passos. Astuta, sentindo que estava sendo seguida e para despistar, ela entrou na primeira porta aberta. Augusto entrou na mesma loja. Os olhares cruzaram por alguns segundos, quando o perseguidor retirou uma revista da prateleira e passou a folheá-la disfarçadamente.

Olhando com atenção para aquele paquiderme estacionado na seção de cosméticos, o coração apaixonado de Augusto disparou. Disparou ainda mais forte, quando concluiu que, parada à sua frente, estava a sua grande paixão.

Decepcionado e ofegante, ele passou a examinar aquele peso-pesado e compará-lo com a sua namoradinha: os pés, outrora finos e com unhas bem pintadas, esborrachavam-se em gastas sandálias de dedos; os tornozelos sumiram debaixo de densa camada de gordura e pele enegrecida; as pernas, bonitas e bem torneadas, deram lugar a uma massa disforme com linhas escuras em alto relevo provocadas por varizes; um vestido largo e roto cobria o tronco agora convexo e, pouco acima do umbigo, caíam dois enormes mamões que um dia foram seios pequenos e duros; pelas laterais do vestido, rolos de gordura flácida desciam até os cinzentos e grosseiros cotovelos; os braços cabeludos e manchados ligavam o resto daquele corpo às mãos redondas e corroídas por sabão e detergente; aquilo que um dia fora um pescoço comprido e insinuante escondia-se sob a pelanca que deformava o queixo; um batom vermelho de segunda categoria desenhava grosseiramente os lábios engelhados; entre a boca e o nariz, uma penugem escura imitava o tênue bigode de um adolescente e alguns pêlos saíam das cavidades nasais; um par de óculos com grossas lentes escondiam os olhos azuis que, no passado, encantavam os homens; diversos pés-de-galinha teimavam em aparecer por debaixo das hastes largas do artefato oftalmológico; os cabelos lisos e sedosos deram lugar a uma maçaroca despenteada e seca...

Augusto, com muita pena e saudade, olhava fixamente para aquela que um dia foi o seu grande amor. "Chego perto ou não? Será que não vou machucá-la ou provocar sentimentos de tempos atrás? E se ela quiser reatar o nosso relacionamento?" Em meio a muitas dúvidas, tomou a decisão que lhe pareceu justa: devolveu a revista à prateleira, lançou um último olhar àquela mulher e tomou o rumo de saída da pequena loja.

Helga, de soslaio, acompanhou os passos de Augusto e pensou com seus botões: "Se esse velho escroto, barrigudo e com cara de tarado estiver lá fora e continuar me seguindo, eu vou ter que chamar a polícia..."

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 26/02/2007
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