Narciso Nacional

Alberto acorda com sono e culpa o despertador. Levanta cansado e culpa a manhã. Se arruma irritado e culpa o trabalho. Sai apressado e, sem um beijo da mulher, culpa o trânsito. De carro, se atrasa e culpa o transporte público. De ônibus, se atrasa e culpa o excesso de carros.

Alberto trabalha de mau humor e culpa o salário. Se perde clientes, culpa os colegas. Se perde o emprego, culpa o chefe. Acima do peso, culpa a comida. Sai do trabalho deixando muito por fazer e culpa o relógio. Cansado da vida, culpa a família e sai para um chopp. Perde a hora e culpa a bebida. Beija outra mulher e culpa a esposa. Chega tarde em casa e culpa clientes que nunca teve.

É pouco atencioso mas, por isso, culpa os pais. Já que não pode mais falar com eles, culpa Deus. Tranca a porta, sente medo e culpa os jornais. Janta sem muita vontade e culpa o estresse. Toma um antiácido e culpa o estômago. Lembra do salário acabando e culpa os impostos. Fica com raiva dos impostos e culpa o governo. Ajudou a eleger o presidente, mas culpa a política. Desliga a televisão com angústia, culpando o país. Sai do banho chateado e culpa a água.

Desde sempre, Alberto termina cada noite relembrando todos os culpados por sua vida. Tem a certeza de que, ao escovar os dentes, vai encontrar no espelho um homem bom e honrado. Mas não hoje. Sem saber bem o motivo, desvia o olhar. E, sem pensar a respeito, Alberto Roberto Brasileiro vai dormir culpando o espelho.