Quase no apagar das luzes Zé conseguiu me convencer a ir à festa de aniversário que um amigo lhe convidou.
Eu não estava nada motivado.  Além disso, os últimos aniversários dos quais participei me desestimularam.
Nos aniversários modernos, os bolos estão sendo oferecidos muito tardiamente, pois demoram demais para cantar o “Parabéns pra você!”.
Agora cantam também “Que Deus lhe dê!”.
Eu sou um fã dos bolos de aniversário, porém, nas festas do século XX, tudo acontecia com incontestável objetividade.
Trinta minutos após iniciar a festa, cantavam “Parabéns pra você!” e não existia uma segunda música.
Apesar de minha forte resistência, cedi ao convite de Zé.

Chegamos cerca de dezenove horas, serviram vários salgadinhos saborosos.
Zé ficou tomando cerveja, eu resolvi curtir apenas réfris.
Alguém falou “Daqui a pouco a gente serve o bolo!”.
Oba! A frase me deixou um bocado excitado.
Observei, no meio da sala, um lindo bolo me aguardando o qual atiçou a minha gula.
Ah! Eu adoro os bolos de aniversário!
 
Cerca de vinte minutos depois, escutei uma discussão entre algumas pessoas que aparentavam ser os parentes do aniversariante ou da aniversariante.
Percebi, então, que não sabia quem era o aniversariante ou a aniversariante. Quando aceitei acompanhar Zé, não houve tempo de lhe perguntar quem estava fazendo aniversário.
A sala, muito cheia e sob efeito musical, não impediu de escutar algumas frases.
__ O pneu furou! Ele deve demorar mais uma hora.
__ Uma hora é muito tempo!
 
Já eram quase oito horas da noite, eu já não suportava mais beber refrigerante nem comer salgadinhos.
"E o bolo? Quando sairia o bolo?"
Zé parecia animadérrimo com os copos de cerveja que sempre solicitava ao garçom.
Depois de mais trinta minutos, percebi que finalmente o “Parabéns pra você!” seria cantado.
Uma mocinha, acompanhada de duas crianças bem alegres, começou a colocar as velas enquanto as pessoas se aproximavam do grande bolo no centro da sala.
Muitas velas eram colocadas sem nenhuma sinalização de conclusão.
Indaguei a Zé quem estava fazendo aniversário.
Zé me apontou uma simpática velhinha, me informando que ela estava completando noventa e cinco anos.
Que maravilha!
 
Cantaram o “Parabéns pra você!” somente uma vez.
Em seguida gritos começaram a ecoar “Que Deus lhe dê!”
Aí eu fiquei apreensivo.
Seriam noventa e cinco vezes com aquele ritmo habitual?
Alguém puxa o refrão, só depois disso a galera acompanha sem ter pressa alguma.
Seriam noventa e cinco vezes?
Na verdade, cantaram umas oitocentas vezes.
Quando terminaram, a aniversariante já estava sentada, as velinhas todas apagadas.
Sua enorme simpatia contrastava com um certo enjôo da situação e um sorriso forçado.
Quando pensei que o bolo começaria a ser distribuído, comecei a ouvir uma música solicitando que o Senhor derramasse suas bênçãos celestiais.
Fiquei surpreso! Não conhecia a canção!
Notei que estava muito desatualizado, pois todos cantavam empolgados, demonstrando naturalidade.
A palavra “derrama” aparecia inúmeras vezes, não sei exatamente quantas.
Coincidentemente alguém quase derramou cerveja em mim.
O meu olhar buscou Zé, porém ele conversava um pouco afastado com duas mulheres.
 
Ufa! Depois de uns novecentos “Derramas!”, tudo indicava que a hora de comer o bolo não poderia mais ser evitada.
De repente alguém gritou “Discurso! Discurso!”.
Quase dei meia volta e saí.
Imaginei a aniversariante, com paciência excessiva, se levantando e começando a discursar!
Zé, adivinhando minha agonia, se aproximou e explicou que quem faria o discurso era o filho, um senhor bastante elegante que logo se levantou e começou a falar.
Não tardou para eu ratificar que realmente não era minha noite de sorte!
O orador conseguia ser mais tranquilo do que o senador Suplicy.
Após vinte minutos, com várias pausas e palavras repetidas, com direito a choro e tudo mais, finalmente cortaram o bolo.
 
O bolo estava delicioso conforme eu previ!
Quem quisesse repetir, não encontrava nenhum obstáculo, contudo fiquei satisfeito com apenas duas fatias.
Depois houve mais pratinhos de salgadinhos, alguns copos de réfri, novos copos de cerveja para Zé que já estava bem "alegrinho".
Tive a oportunidade de conversar com a aniversariante, confirmando a minha primeira impressão.
Ela era uma matrona adorável.
Consegui relaxar um bocado e curtir as boas músicas tocadas.
Perto de onze horas eu e Zé saímos satisfeitos.
 
Minha cisma com os aniversários talvez tenha diminuído após tal experiência.
Agora eu já sei! Antes de servir o bolo, as pessoas cantam “Que Deus lhe dê!”, “Derrama!” e sempre tem um discurso no estilo Suplicy!
É só uma questão de adaptação aos avanços da geração.
 
Mas, permitindo esquecer tais contratempos, sempre surge o bolo!
Ah! Eu adoro os bolos de aniversário!
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 25/10/2012
Reeditado em 25/10/2012
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