Eu não sou poeta

Quando eu era mais novo, queria ser poeta. Assim, poeta mesmo, de profissão. Poeta profissional. Me imaginava escrevendo no cadastro do hotel: poeta. Profissão poesia. Uns queriam ser médicos, engenheiros, advogados, astronautas... eu, poeta.

Depois, bem depois, acabei descobrindo que não poderia ser poeta. Não por profissão. Poeta tinha que ser segredo, armário, recalque, encubado, empoeirado. Descobri que tinha que ser CEO, General Manager, entre outras coisas que até hoje não sei o que significam. Não fui. Ao invés do médico, do engenheiro, do fiscal de solda, acabei na poesia. E acabei descobrindo que poetas não existem.

Me formei poeta, estudei meu espírito, me mastiguei, me ruminei, me doutorei; até faculdade fiz pra ser poeta. Mas, em se tratando da vida, eu não vendo poesia. Pelo contrário, jogo aviãozinhos poéticos, silviosanticamente. Poesia não se vende. Então o que eu sou?

Explico: quando eu queria ser algo, quando eu ainda queria ser algo, na vida, eu descobri que a pergunta maior sobre ocupação não é exatamente o que você faz, o que você professa, com o que se ocupa; ao invés, se quer saber o que você vende, ou para que você serve. Eu, por mim mesmo, não vendo, não sirvo. Pensei em vender aulas, mas poesia não se vende. Só se planta, se cultiva. Aprendi muita coisa nessa vida, grande maioria ruim, mas nunca me disseram qual era o meu produto, meu peso. “Você tem que ganhar dinheiro”, dizia a família. Ser bem sucedido, percebi, em certo ponto negro da vida, era ganhar dinheiro. Só. Simples assim, você é o que você vende, ou compra. Não há fuga.

Então pensei em correr, mas já era tarde. Trabalhar em um escritório, atender telefonemas, ser educado, ser comedido, domesticado, usar terno, dar bom dia, fazer o que você estudou pra fazer. Mas eu não havia estudado pra ‘fazer’, eu havia estudado pra saber. E eu sabia. Ah, eu sabia... nada. Descobri livros, mundos, letras, preces. E meu mundo vasto, minha toca do coelho, não valia nada. Saber não é dinheiro. Fazer é dinheiro. E eu não sabia fazer nada. Só poesia. Mas isso não se vende. Quando vende, não é mais a mesma coisa, como sexo.

Enfim, não posso escrever poeta, nem escritor, no papel do hotel, pois não vendo poesia, não vendo livros, não vendo frases, não vendo nada. Em minha inocente infância, minha infante inocência, achei que eu seria o que faço, e não o que vendo. Eu faço poemas, mas não vendo. Então acho que não sou poeta. Eu escrevo coisas, mas não vendo. Acho que não sou escritor. Eu sou alguém, mas não me vendo. Acho que então sou ninguém.

Talvez eu tenha passado direto. Ao invés do poeta, fui ser poesia, fui ser arte, fui ser ficção. Eu não conto, não existo, não sirvo, não sou.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 30/10/2012
Reeditado em 30/10/2012
Código do texto: T3959407
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.