Chega de saudade!

A Bossa Nova sempre me inspirou. O seu próprio balançado é bem mais que um poema: é linear, doce, metódico, tem expressão de melodia de um crepúsculo definido num dia ensolarado e colorido de primavera. Nasci com a Bossa Nova: 1958 era ano de promessas de vida nos corações, principalmente dos brasileiros. Tempos de anos dourados, desenvolvimentismo e abertura de novos caminhos.

Mas eu quero dizer “chega de saudade” para aqueles que se foram das nossas vistas e que resolveram nascer em outra dimensão.

Egoísmo exagerado dizer: “hoje é dia de finados”. Pior: “tenho que comprar flores e depositar no jazigo”. Finado é aquele que chegou ao fim. Só porque não enxergamos mais aquelas pessoas não podemos afirmar que elas acabaram. Mas se cremos numa vida eterna, por que fim? Fim de quê?

Acredito num voltar temporariamente ao Criador para depois nascer de novo, com mais beleza, mais encanto, mais disposição para fazer o bem, quem sabe ser menos oportunista, não atirar tantas pedras, meio que lembrando mesmo de forma embaçada: “eu também já devo ter errado assim” ...

Aproveito, então, um pedacinho das minhas noites para convidar todos aqueles amigos e parentes que saíram das minhas vistas para me visitarem - caso queiram ou possam. Eu os convido com um abraço grande, literal. Abro os braços para que todos caibam no meu agradecimento e peço desculpas pelas milhares de vezes que deixei de sorrir, que não falei algo aproveitável. Aquela outra vez que não compreendi, que julguei, que fiz que não ouvi, que não valorizei conselhos oportunos. Aproveito e olho para todos com emoção profunda porque sei que estão presentes: é só convidar. Consigo ver sorrisos confiantes e doces. E agradeço os antepassados, aqueles que pessoalmente não convivi. Agradeço o trabalho árduo, os sonhos não realizados, a boa comida que não puderam saborear. Os nossos que emigraram, deixaram a Itália e Portugal para tentarem fazer a América... não fizeram propriamente um novo continente, mas fizeram histórias de lutas, união e esperança, num doce amálgama de cultura e de partilha. Fizeram tanto, contribuíram, sim, e ajudaram a construir uma parte da história de São Paulo, caminharam juntos e como eram belas as memórias do IV Centenário... da construção das grandes avenidas, das transformações urbanas perto do mercado da Cantareira, o orgulho pela beleza da avenida Paulista. Teve de tudo: as emoções com o progresso, o início da construção do metrô, o fim dos tempos amargos da ditadura, a esperança de novas luzes, o estudo dos filhos... como foi caro tudo isso! Quanto sacrifício para os bons colégios, o curso de Inglês, a compra do piano, que não dei conta de aprender...

Agradeço olhando nos olhos, porque eles vêm me visitar: é só eu chamar. Consigo, agora, esperar pelo reencontro, por novas conversas animadas, pela sabedoria da minha avó, pela presença doce e engraçada da minha sogra, pelo sorriso da Maria, pela alegria de viver da minha tia Norma e o seu brilho no olhar. E de todos os outros: cada um com o seu conhecimento, particularidade e compromisso com a vida e com a luz que, felizmente, teima em não se apagar.

Agradeço os antepassados que não se finaram coisa nenhuma. Eles apenas tiraram umas férias, porque se cansaram em algum momento das suas vidas.

Boa noite, pessoal! Um beijo enorme em cada um de vocês. Fiquem com Deus e cada um fazendo a sua caminhada e deixando a luz do céu entrar no coração.

O tempo vai se ajeitar e a gente volta a se abraçar melhor um dia, com uma mesa muito farta, colorida e aromática, esbanjando solidariedade, partilha, interesse sincero de um para com o outro, além das boas risadas e muita música.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 02/11/2012
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