SUPERAÇÃO

O degrau de uma escada não serve simplesmente para que alguém permaneça em cima dele, destina-se a sustentar o pé de um homem pelo tempo suficiente para que ele coloque o outro um pouco mais alto.

(Thomas Huxley)

No dia de finados, lembrei bastante de meu pai, morto tragicamente, vítima de atropelamento há mais de 40 anos. O trauma de sua morte acompanhou-me por muito tempo, sinto ainda muita falta dele. Na verdade, o objetivo dessa crônica não foi o de falar de meu falecido pai, nem de falar da significação desse dia. Esse feriado fez lembrar-me de um fato ocorrido na faculdade que leciono, que modificou a minha maneira de enxergar a vida.

Alguns anos atrás, no final de uma aula prática, ouvi um bate papo entre os alunos. Estavam reclamando da vida: “Falta dinheiro, dificuldade na escola, relacionamentos mal resolvidos”. Enfim problemas comuns à todas pessoas. Notei que entre eles havia uma aluna, que apenas ouvia e não dizia nada. De repente, saiu de seu silêncio e dirigiu-se ao grupo de forma incisiva. Dizendo que sua vida não tinha problemas, ou melhor, os seus problemas não lhe preocupava, dado a insignificância representada por eles. Pensei tratar-se de mais um caso de "gabolice", tão comum entre jovens universitários.

Os colegas ficaram surpresos com o seu desprendimento, deram uma pausa no falatório e olharam diretamente para ela. Tranquilamente, sem pestanejar, continuou seu raciocínio: Perdi minha mãe muito cedo, tinha 10 anos quando morreu. Papai trabalhava viajando e eu criança ficava sozinha em casa. Meus avos paternos moravam em outra cidade e os maternos não se davam com meu pai, assim passava dias e noites sem nenhuma viva alma comigo. Muitas vezes, o medo de dormir sem companhia, fazia com que eu procurasse os vizinhos, pedindo com muita vergonha, para dormir com eles. Era uma sensação desagradável ter que depender de estranhos para enfrentar a solidão.

Sofri muito com a morte de minha mãe, era filha única, parece que o mundo desabou, continuou ela emocionada. Convivi com a indiferença de minhas tias e primas, pois elas, nunca foram me visitar. Tudo isso não foi capaz de me aniquilar. Hoje, casada com dois filhos sou uma mulher vivida e realizada. Posso dizer de cabeça erguida que superei todas as dificuldades do passado. Portanto, esses problemas menores não me atingem. Se, agüentei ficar sem minha mãe, sou capaz de suportar qualquer coisa, terminou sua explanação com energia.

No canto da sala, eu pensei: comigo aconteceu justamente o contrário, a morte de meu progenitor me enfraqueceu. Depois desse acontecimento na escola, comecei a pensar que também deveria encarar a realidade da mesma forma que minha aluna. Se o sofrimento a deixou mais forte, o meu também, me deixaria mais encorpado, mais resistente. Enfim, senti que aquela experiência contribuiu bastante para eu mudar de atitude perante a vida.

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 03/11/2012
Reeditado em 17/12/2012
Código do texto: T3967347
Classificação de conteúdo: seguro