SAUDADES

A esta altura da vida, completados já os 88 anos, não tendo mais como projetar-nos no futuro, dedicamos a maior parte do nosso tempo ou à leitura, ou às reflexões ou às recordações de um longo passado. As leituras e as reflexões, algumas são voltadas às espiritualistas, preparando a nossa alma para a viagem sem retorno e o encontro com o Juiz Supremo que decidirá o nosso destino eterno, conforme as nossas ações na vida terrena.

Costumo intercalar esse tempo com momentos em que deleito o espírito ouvindo boas músicas. Acontece, nessas ocasiões, que mergulho num passado cheio de evocações. Nesta tarde, lembrei-me – não sei por que – da época em que cursei o ginasial, no Ginásio Diocesano Santa Luzia, de Mossoró. Aprovado em exame de admissão em dezembro de 1937, com 13 anos, em fevereiro de 1938 comecei a frequentar a 1ª série. Lembro que a turma era de 27 alunos. Desses 27, só conhecia quatro, que residiam na minha rua, tendo alguma amizade com dois: Targino Soares, que morava em frente, e Aluizio Moura, quase vizinho. Cinco eram de municípios do interior, filhos de abastados fazendeiros; os demais moravam mesmo em Mossoró, alguns descendentes de pais libaneses: Itiel Genésio, Glauco Benévolo de Benévolo (assim mesmo) e Antônio Salem Dieb, que se formou em Agronomia e se tornou, depois, meu grande amigo e compadre, falecendo precocemente.

Foi nosso Diretor o Padre (depois Cônego) Jorge O’Grady de Paiva, sacerdote de grande cultura, que foi Professor de Inglês na 3ª e 4ª séries e substituía qualquer professor que faltasse. Era muito amigo de Luiz da Câmara Cascudo, autor do excelente Dicionário Brasileiro de Folclore e de dezenas de livros de História; trouxe-o (estou escrevendo sentimentalmente como se estivesse em minha cidade, onde morei quase 50 anos) a Mossoró várias vezes para proferir conferências. O Pe. Jorge gostava muito de fazer excursões com a turma: em 1939, fomos, de trem, a Caraúbas, recebidos pelas autoridades locais com muita festa; em 1940, fomos em várias “sopas” (pequenos ônibus de linha) fretadas, a Caicó, onde existia o Ginásio Diocesano de Caicó, dirigido pelo Mons. Walfredo Gurgel (que foi Governador do Estado alguns anos depois), também recepcionados com grandes festejos. Em 1942, levou a minha turma concluinte, com os professores, para um passeio na praia de Tibau, onde almoçamos uma peixada na excelente casa de Lauro do Monte Rocha. Tomei tanto banho de mar e levei tanto sol, que, à noite, dei trabalho a minha mãe, para cuidar das minhas costas queimadas. Durante o tempo do curso, circulou o jornalzinho A Escola, fundado em 1933 pelo meu irmão, José Augusto Rodrigues, para o qual colaborei com alguns artigos. Fui indicado para falar algumas vezes em solenidades promovidas pelo Diretor, inclusive numa, em 1942, na qual foram homenageados alguns oficiais do Exército que estiveram em Mossoró. A propósito, em 1941, o Pe. Jorge teve uma iniciativa inédita e questionável: “militarizou” o Ginásio, distribuindo patentes a vários alunos: cabos, sargentos, capitães e dois coronéis, justamente os dois mais corpulentos da minha turma: Luiz Linhares e Luiz Diógenes (este, uns 15 anos depois, foi Juiz de Direito em Mossoró). Renunciando à Diretoria, em 1943, viajou para o Rio de Janeiro, onde foi eleito sócio da Academia Brasileira de Ciências.

Concluímos o curso em 1942, a última turma de 5 anos, pois, com a reforma do ensino, quando era Ministro da Educação o Dr. Gustavo Capanema, colou grau, também, a turma de 4 anos. Ainda guardo minhas notas do ano da conclusão: Português: 8,30, Professor: até o mês de abril foi o Dr. Bianor Fernandes de Oliveira (que exercia o cargo de Juiz Municipal e era tido como homem de muita cultura), pois faleceu em maio, inesperadamente (o Dr. Bianor, quando questionava um aluno e ele respondia certo, costumava perguntar porquê e se o aluno não soubesse explicar a sua resposta, dizia: “dissere et non probare, dissere non nesd” (dizer e não provar é o mesmo que não dizer).Em substituição a ele passou a ser o Dr. Abel Freire Coelho, Bacharel em Direito e Promotor Público; Matemática: 4,40 (nunca fui bom em Matemática), Professor: Públio Lopes Filho, que se formaria, depois, em Medicina, em Fortaleza-CE; História: 8,90, Dr. Antônio Francisco de Albuquerque, Bacharel em Direito; Geografia: 7,30, Dr. Antônio Francisco; Desenho: 8,30, Profª. Joaninha Bessa, que faleceu em Natal com mais de 100 anos; Física: 6,50, Públio Lopes; Química: 6,30, Públio Lopes; História Natural: 8,70, Dr. João Marcelino de Oliveira, médico, que foi o Paraninfo da turma; Latim: 5,30, Dr. Abel Coelho; História do Brasil: 8,50, Dr. Antônio Francisco.

No decorrer desses cinco anos, alguns alunos abandonaram o estudo; outros foram estudar em Recife; outros, ainda, ingressaram, vindos de cidades do interior. Alguns novos professores chegaram, substituindo os que saíram. Entre os que chegaram e saíram antes do fim do curso, estavam: o Dr. Américo de Oliveira Costa, homem de muita cultura intelectual, professor de Francês; Boaventura Cavalcanti Júnior, que lecionava Matemática; este foi para o Rio de Janeiro fazer os exames da Escola de Cadetes, obtendo o 1º lugar e recebendo a espada das mãos de Getúlio Vargas. Foi reformado como Coronel.

A grande maioria da minha turma também foi bem sucedida na vida. Alguns se formaram: um em Medicina, dois em Odontologia, três em Direito, um em Farmácia e um em Agronomia. Dois ingressaram no Exército, sendo um promovido a Coronel (Eider Nogueira Mendes), e o outro (Milton Cunha Bezerra), alcançando o generalato. Dois ingressaram no Banco do Brasil, através de Concurso Público para Escriturário: Targino Soares e eu. Os demais tomaram destinos diferentes, um deles chegando a brilhar na Engenharia Civil.

Hoje, todos os professores de minha turma faleceram. Dos meus colegas, sei que apenas três estão vivos, mas um com a doença de Alzheimer em avançado estado; o outro, odontologista, pelo que sei, reside em Fortaleza, não clinicando mais, e o terceiro, por graça de Deus, sou eu, que garatuja estas lembranças molhadas de saudade, e, naturalmente, assunto sem interesse para os leitores que frequentam este Recanto das Letras.

Há muitos outros detalhes interessantes que omiti nesta crônica, para não a alongar ainda mais. No meu livro “Mossoró – Outras Lembranças e Um Pouco de História”, há mais pormenores sobre o GDSL e a minha turma.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 04/11/2012
Reeditado em 06/11/2012
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