Não sei de nada

Toda vez que era indagado sobre isso ou sobre aquilo Belmiro nunca sabia. A resposta soava como um coro: NÃO SEI DE NADA! Desse modo, tudo ficava como estava. Um dia, ao pôr-do-sol, a vizinhança dele resolveu se reunir para sabatiná-lo com severidade. Foi um verdadeiro julgamento popular. Mas era necessário. O limite parecia ter chegado ao fim. O último golpe foi o sumiço do dinheiro. O suspeito? Belmiro, claro! Como sempre, tudo recaía sobre ele, devido suas espertezas e artimanhas.

Descaradamente, ele chegou bem-humorado, revelando total segurança perante todos que estavam ali naquela arena pública. Aberta a sessão, o vizinho mais velho perguntou-lhe:

- Por que você nunca sabe de nada?

- Não sei. Só sei que de nada sei, como disse o grande filósofo! Ora, se até o filósofo que de tudo sabe, diz que não sabe de nada, imagine eu!

- Onde aprendeu a ser tão dissimulado?

- Não sei. Ainda não cheguei a essa conclusão.

- Por que não presta conta de seus atos?

- Não sei de atos. Que Atos? Quem é Atos? O único Atos de quem já ouvi falar é o Atos dos apóstolos, que não vem ao caso agora.

A saída de Belmiro foi perfeita. Houve certo suspense nos olhares dos outros que estavam a escutar. O jeito era aguardar o próximo perguntador. Mas não era fácil pegar Belmiro, pois parecia adivinhar o que iam lhe perguntar. Lia pensamentos e fazia leitura labial. Depois de uma pausa breve um morador sisudo, com voz áspera procedeu ao seguinte interrogatório:

- Distinto cidadão: onde e como o senhor se prepara para ser tão convincente?

- Nem em juízo eu respondo, porque realmente não sei. Só te garanto que não tenho esses estudos formais. Tem gente que é zero na escola, mas letrado na vida. Por isso que não sei dizer, porque a vida está em todos os lugares, transmutada em mil experiências.

- Quer dizer que o senhor não sabe para onde foi o dinheiro?

- Dinheiro? Não, realmente não sei nada sobre isso. Acho até bom que descubram logo o paradeiro desse dinheiro para que a minha imagem não seja arranhada. Dinheiro é coisa muito séria e mexe com o caráter de qualquer pessoa.

- Não tenho mais perguntas, senhores.

Mais uma vez Belmiro se safou. Quiseram pegá-lo, mas não conseguiram. O julgamento foi suspenso por falta de perguntador ou de provas. Belmiro puxou o saco da viola e conclamou a todos a cantar a bela toada, em forma de frevo.

"Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

E ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

O seu paradeiro"?

Tudo terminou em festa. Só alegria. Todos se embriagaram ao embalo da marchinha. A vizinhança calou e esqueceu da história do dinheiro. Belmiro, mais uma vez, saiu ileso de julgamento e, como num passe de mágica, ovacionado pelos que se deixaram levar pelo encanto da marchinha. Isso é Brasil – o país do carnaval. "Olé, olá, o Belmiro tá botando pra quebrar".

Boscovita
Enviado por Boscovita em 01/03/2007
Reeditado em 01/03/2007
Código do texto: T397431
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.