A "bitaca" da Luzia

Havia naqueles belos dias uma luz sorrindo em meu olhar.

Era o desabrochar da infância que acordava para as provocações da vida.

Me acontecia uma maneira sutil de ver as coisas, pelos olhos da tarde, das manhãs sempre cheias de sol, e pelo olhar da mulher que se admira e que sonhamos ter um dia.

Havia na minha rua o perfume da mulher feita e pronta para o amor!

Daí que as cigarras tristes emudeceram seus lamentos, e os pássaros voltaram a brincar para a dança do acasalamento.

Os Melros nos coqueirais invadiam nossas casas com seus cantos, e os canários brigavam por um raminho de grama para arquitetarem seus ninhos.

Era um tempo diferente e havia sinfonia pelos ares!

Chegou discreta como uma canção e ocupou o seu espaço mínimo num canto de rua, trazendo consigo as tardes morenas de verão.

Alugou aquela "bitaquinha" e começou a vender umas bananas, umas cocadinhas, raizadas e pasteis.

Não era bom o pastel! Minha mãe ensinou um recheio novo, e a raizada era com papai que sabia de tudo, e como misturar uma aguardente nas raízes, para atrair o paladar.

Sempre que podia, eu arranjava um jeito de estar alí junto dela, levando a minha alegria.

Depois passei a olhar com outros olhos e lamber com a testa, mas eu queria!

Queria mesmo era ser adulto, poder ir lá à noite tomar uma jurubeba, gastar uma melodia e depois entrar naquela bitaca, e apaziguar as minhas feras!

Precisava mesmo era ter "moita" de cabelo no saco, catinga de homem feito!

Queria mesmo era ouví-la dizer: Te aceito!

Enquanto isso a cidade começou a se movimentar, surda, mas frenética!

Os seis homens mais belos e disponíveis para o casamento, se preparavam!

O sétimo viria no sétimo raio, na sétima aurora do sétimo dia, no hálito de cupido, no estampido do vento!

Na primeira sexta feira, antes de ir para o "Pinhão" Vitorim passou por lá, e porque era noite de lua cheia, cantava. Parecia uma ave cativa, dobrava e redobrava o canto.

Didim cobrinha que só andava na marcha lenta, engatou uma quarta. Alugou um banquinho em frente à padaria e ganhou ares de intelectual, lendo gibí.

Zé verdiana começou a tomar banho regularmente aos sábados. Camisinha branca e calça de gabardine. trocou o fumo de rôlo pelo mistura fina.

Bahiano Pembeiro era o maior cliente e admirador. Sempre cordial, com seu chapeu panamá e terno branco de linho braspérola.

Parecia sempre estar incorporado com o espírito de um mestre sala dos bons. Fazia rodeios em frente à vendinha.

Zé Bonissom trocou a bicicleta por um cavalo branco marchador, e voltou a falar em casamento. Até andava com uma flor perfumada na lapela: Era um sorriso encarnado!

Antõe Gujansque que só vivia "perrengue" com uma eterna dor nas juntas, solitário no quarto escuro lendo o livro de São Cipriano - com medo do medo - e com passagem de ida para Barbacena, buscou um emprego na prefeitura. Foi assentar meio fio.

Enfiar a mão no bolso, que lhe provocava espasmos, desapareceu. Ignorou as economias. Comprou até loção Pindorama para trazer a côr dos cabelos.

A bitaquinha da Luzia progredia! Ela trabalhava! A vida sorria!

Num dia triste, apareceu por lá o Turco Nagib, de olhar de lince e sobracelha de lobisomem para comer pastel e beber garapa.

Ensinou economia domestica e receita de fazer Kibe crú.

Deu um suspiro à moda dos venezianos e alizou o bandolim. O primeiro acorde fez vibrar as cordas do coração de Luzia.

Era a alma irmã! O gozo eterno! O cumplice celestial!

Amanhecendo foi lá em casa, abraçou meus pais e deu-me um beijo madrugador, de despedida.

E lá se foi Luzia nos braços do turco Nagib em uma caravana de ciganos, por medo de vingança dos pretendentes apaixonados!

E houve o silencio constrangedor dos homens e o sorriso vitorioso das mulheres enciumadas!

Durante um bom tempo eu sentia as tardes fugidias e sem graça, e as manhãs não passavam aquele esplendor.

Mas estou feliz! Ainda hoje guardo um pedaço do seu encanto, lembrando o sorriso que incendiava os meus dias e aquecia as tardes.

Conseguí capturar a sua alegria,

E o seu gôsto de flôr!

Recordar é viver

a eternidade do coração!

(zé canjica)