O ônibus

O ônibus parou, entrei com mais umas três pessoas, paguei a passagem para o trocador que me encarava sonolento e passei pela roleta fazendo um barulho até engraçado. Tirei minha mochila e acomodei-me ao lado de uma garota com o uniforme escolar. Uma garota com os cabelos longos e ruivos, pele branca e que olhava pela janela do ônibus com a cabeça encostada no vidro. Tirei um livro de minha mochila, “Sherlock Holmes e o Cão dos Baskerville” e passei a ler... da ultima vez que li este livro tinha parado na pagina cinqüenta e seis.

-Sherlock Holmes? É um bom livro, gosta de mistério? – diz a garota ruiva dando um leve sorriso.

- É uma das minhas leituras prediletas, gosta de ler? – digo fechando o livro.

- Adoro! Mas ultimamente tenho lido muito pouco.

- Por quê? – digo dando um sorriso carinhoso.

- Dês de que meu pai... Digo padrasto voltou em casa tem sido um inferno.

- Ele é tão mau assim?

- Digamos que para mim os contos de fada são verídicos. Aquelas histórias de padrasto maléfico sabe. – diz ela dando um leve sorriso como se todo mundo tivesse um problema desses.

- E o que ele tem?

- Minha mãe tinha mandado ele embora porque ele é um alcoólatra e vivia batendo nela, mas eu sabia que isso não ia ficar assim... Ele sempre volta.

- E ele bate em você?

- Ainda não, digamos que minha mãe me protege, mas eu não sei até quando isso vai durar. Ele chega em casa e começa a quebrar tudo como se fosse um louco, tenho medo, pois ele é policial, qualquer dia ele chega armado e mata minha mãe.

- Sua mãe não o denuncia?

- Não dá. Como lhe disse ele é policial e tem amigos poderosos.

- Não pode fazer nada não è? – digo olhando para baixo. Nem tinha notado que o ônibus estava em sua segunda parada e alguns passageiros estavam descendo.

- Já pensou em fugir?

- Já, mas minha mãe não fugiria, por incrível que pareça ela o ama.

- Ela o ama! – falo surpreso – mas como pode?

- É ela o ama – diz a garota olhando para baixo. Seus cabelos ruivos cobriam seu rosto – mas não a nada que se possa fazer, aliás, ele é policial, nos acharia com muita facilidade.

O solavanco do ônibus me alerta mais uma vez, umas seis pessoas descem desta vez enquanto umas três sobem. Ouço o barulho engraçado que a roleta faz.

- É uma pena, é uma pena mesmo... Eu gostaria de ajudar-la, mas não sei o que posso fazer.

- Não ah nada. Minha única esperança é que daqui uns dois anos eu conclua o colégio e arranje um emprego. Quem sabe comprar uma casa, e tirar minha mãe de lá.

- O que houve com seu pai biológico?

- Se matou. Não conseguia emprego e se enforcou. – dizia ela com uma simplicidade – para mim não foi um choque, mal o via.

- Sinto muito – ela sorriu.

Ficamos em silêncio o resto do percurso. As pessoas saiam e entravam no ônibus, eu fingia que lia, não conseguia me concentrar, ficava pensando no que esta garota passava, e como encarava tudo... Se estivesse no seu lugar talvez eu não suportasse...

- Eu desço aqui – diz ela levantando e puxando a cordinha no teto do ônibus fazendo o mesmo apitar – até a próxima.

- Até, posso saber teu nome?

- Camilla... E o seu?

- Renato.

- Ok Renato, até a próxima. Espero que possamos nos encontrar em breve e conversar mais... Certo? – dizia ela sorrindo muito. Eu afasto minhas pernas para que ela possa passar. Ela anda pelo corredor, seus cabelos ruivos balançam nas suas costas. Vejo ela dando um acenando para mim enquanto o ônibus partia. A via indo e desaparecendo na multidão, nas vidas, nas pessoas, nos seus problemas.

...

O despertador toca freneticamente, eu acordo meio tonto. Ficara acordado até mais tarde, tinha que fazer as pesquisas da faculdade. Tomo banho, preparo meu café, ligo a televisão. Estava despreocupado com o horário do trabalho hoje porque meu horário era o das dez.

Estava passando um programa policial como esses que ganham dinheiro com desgraça alheia. Não me importei, estava mais interessando com meu pão com ovo.

- Família é encontrada morta a tiros... – dizia a tv. Eu nem dava a atenção – quem cometeu o homicídio duplo foi o policial Eudimar dos Santos de quarenta e cinco anos. Testemunhas dizem que ele estava embriagado quando adentrou a residência de sua mulher e filha e fez cinco disparos, logo depois se suicidou. As vitimas foram Tereza Batista dos Santos, Quarenta anos e sua filha Camilla Batista dos santos de dezessete anos.

Neste momento olhei para a tv, não podia ser ela, não podia... Era impossível. A câmera mostra os cadáveres, eu reconheci aqueles cabelos ruivos agora manchados de sangue. Eu conhecia aquele uniforme escolar, eu a conhecia.

...

Agora todo dia eu pego o mesmo ônibus, e sempre que posso sento no mesmo lugar. Ainda não acredito que era ela que tinha morrido ou tento não acreditar. Acho que a qualquer momento ela aparecera com seus lindos cabelos ruivos e diga: Olá.

Rhuan Felipe Neves