O LAVADOR DE CARROS E O PROFESSOR

“Todo o mundo sabe compadecer do sofrimento de um amigo, mas é preciso ter uma alma realmente bonita para se apreciar o sucesso de um amigo”.

(Oscar Wilde)

José, um rapaz simpático de cor negra, lavava carros de passeio. Não tinha ponto fixo, trabalhava nas residências dos proprietários. Nosso pai era seu freguês, uma vez por semana, invariavelmente aos sábados de manhã, ia até nossa casa para desempenhar sua função. Falante, gostava de discorrer sobre o trabalho, dizia que o segredo do enceramento de qualquer veículo está na pressão manual exercida pelo operador, que deveria ser feita de forma vigorosa e rápida, procurando eliminar os resíduos da cera. Invariavelmente, nosso carro, um SIMCA Chambord três andorinhas- modelo 1963 ficava brilhando!

O referido rapaz estudara até a segunda série do ginásio, tendo que interromper seus estudos por falta de dinheiro. Naquela época, o ensino público era restrito ao primário. Trabalhou em nossa casa por mais de dois anos, sempre cuidando do carro. Com o passar do tempo, foi tornando-se amigo da família. Percebia-se pelas suas atitudes, honestidade e inteligência.

Meu pai era bancário e professor de um curso preparatório para concurso do Banco do Brasil. As aulas aconteciam à noite nas dependências do SENAI. Um belo dia de sábado, chegou perto de José, enquanto o rapaz caprichosamente lavava o veículo da família e disse: - Você não está com o "saco cheio" de lavar carro?- Não, até gosto! Respondeu José, educadamente. -Que nada, retrucou papai!-Segunda feira procura-me no SENAI, fiz sua matrícula no “cursinho”, continuou. -Mas professor, eu não posso pagar! -Segunda feira você começa a assistir as aulas, quanto ao dinheiro, não se preocupe. Disse sorrindo...!

José continuou com aquele trabalho durante o dia e a noite ia ao “cursinho”. Posteriormente, passou no concurso do Banco do Brasil e nós perdemos o contato. Anos mais tarde, encontramos com ele novamente, em um acontecimento fúnebre, bastante doloroso. Fatidicamente, era a missa de sétimo dia de seu benfeitor. Bastante emocionado abraçou minha mãe, dizendo que não pode ir ao velório, pois ficou sabendo do triste acontecimento um dia após o ocorrido. Como morava em outra cidade, não foi possível o deslocamento em tempo hábil.

Nessa época, ocupava o cargo de subgerente de uma agência do Banco do Brasil de uma cidade vizinha. A propósito, depois que entrou no banco fez madureza do primeiro e segundo grau e ingressou na faculdade de direito, tendo concluído o curso com mérito. O país vivia tempos de recessão, empregos bons eram raros. A maioria das pessoas ganhava salário mínimo, ou menos do que isso. Logo, um cargo num banco oficial era um sonho desejado por muitos, obviamente realizado por poucos. Assim, o desejo de promover alguém com potencial de crescimento levou meu saudoso pai a fazer aquele convite inusitado. Outros casos de sucesso semelhantes ao de José, também tiveram a sua participação. A condição de professor favoreceu bastante o trabalho altruísta que desenvolveu em vida. Infelizmente faleceu precocemente de forma abrupta e traumática, vítima de atropelamento na cidade do Rio de Janeiro.

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 12/11/2012
Reeditado em 22/01/2013
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