Sobre pais, mães e filhos

Estava lendo um livro há pouco, meio que empurrada por uma amada irmã que adorou a história a qual estou lendo com resistência, mas me sinto na obrigação de acabar de ler, pois acho um sacrilégio largar livros no meio da leitura (pode ser bobagem, mas é um dos meus defeitos).

De qualquer forma não é esse o ponto importante e nem o que me inspirou a escrever essa crônica. Entre muitas das discutíveis narrativas, a protagonista fala sobre o padrasto e cita que precisa da “força do silêncio” dele.

O termo me comoveu. Lembrei do meu pai. Lendo o tal livro e ouvindo Tom Jobim, Vinicius e Toquinho numa véspera de feriado, sozinha em casa, acho que o universo conspirou para me deixar um tanto deprimida e saudosa.

Era exatamente isso que a presença do meu pai me transmitia ou que sua lembrança ainda me transmite: a força do seu silêncio.

Aprendemos a ver a mãe como figura imaculada, sempre protegida, inabalável, sem direito a críticas. Para mim incluiria aí um sinônimo de explosão, choque de realidade, com muito amor, muita dedicação, muito carinho também, claro, mas sempre mostrando a dolorida verdade, num interminável e inconsciente conflito entre amor e vida real.

Amo minha mãe, mas afinidade mesmo sempre encontrei com meu pai. Minha mãe diz que “puxei” meu pai, que tenho todas as características, boas e ruins, de personalidade dele. Pessoalmente acho que sou um misto dos dois, mas ela não gosta de ouvir isso.

Infelizmente ele não está mais aqui e sinto muito sua falta. Como a personagem do livro, sinto falta da força do seu silêncio, porque bastava o olhar do meu pai para me confortar. Era curto e certeiro nas opiniões, irritantemente assertivo, a ponto de não deixar espaço para novos argumentos.

É verdade que chega a ser covardia comparar, porque pai economiza muito o seu envolvimento com os problemas dos filhos, o que mãe já não faz, não por opção, mas simplesmente porque não pode fazer.

É a mãe quem passa mais tempo com os filhos, quem convive mais com os defeitos deles, consequentemente é quem sofre maior desgaste com esse convívio e se vê na obrigação de apontar defeitos e corrigir erros. Por isso é menos respeitada em seus limites. Filho sempre abusa muito mais da paciência da mãe do que do pai. É fato.

Desde a adolescência até a vida adulta tive muito mais facilidade em entender meu pai do que minha mãe. Não à toa, já que tínhamos gosto muito parecido.

Meu pai, autodidata pois tinha apenas o antigo primário e era mecânico de autos, me mostrou Vinicius, Tom Jobim, Billy Blanco, Chico Buarque, Tony Bennett, Frank Sinatra, Liza Minnelli, Nat King Cole, o hábito da leitura, Revista Seleções, As aventuras de Huckleberry Finn (o primeiro livro que me lembro ter lido, puído, sem capa, mas um primor), Picasso, Van Gogh, Michelangelo, entre tantas outras preciosidades.

Lembro dele sempre me alertando sobre coisas simples, delicadas e valorosas da vida. Era sutil para mostrar o que não gostava, por exemplo de rock, mas respeitava meus delirios por conta de Elvis, U2, Rolling Stones entre tantos outros que ele desprezava.

Outra atitude essencial para mim era a sua capacidade de fomentar minha criatividade, talvez até muito fácil para meu pai, que era um visionário, um cavaleiro andante, romântico incurável que amava a vida e as pessoas ao seu jeito.

Como já disse, indiscutivelmente assertivo, algumas vezes me fez refletir e "quase" perceber, no auge da minha imperiosa adolescência, que eu não sabia nada sobre a vida.

Não gritava nem criticava veementemente um erro. Apenas nos lembrava o quanto éramos responsáveis por ele. Cruel não?

Hoje acho que compreendo melhor os defeitos e as qualidades dos meus pais, mas isso só aconteceu depois que tive que viver o lado mãe da história. Antes tarde do que nunca, o velho e bom jargão se confirma.

Amo vocês meus queridos pai e mãe... amo você minha querida filha... sempre... como for... onde vocês estiverem...e sigo errando e acertando, como mãe e como filha, pra não perder o senso comum.