Achamento

Esta vida é uma caixinha de surpresas! Outro dia, num sábado, eu estava saindo de um restaurantezinho discreto com minha filha de sete anos e eis que recomeçou uma chuvinha fina daquelas de inverno, contínua e inclemente – em pleno novembro... Saímos à procura de um taxi, à beira do asfalto, bem perto do restaurante. De repente, chuto algo que estava numa poça d’água – um celular! Bonzinho, por sinal, porque, mesmo encharcado nas teclas, ligou de imediato. Olhei para os lados e nada! Chovia e havia apenas uma loja de material elétrico por perto, sem carros à porta ou alguém à vista. Quando me virava para ir até a tal loja, parou-me uma carona e, dadas as circunstâncias, não fiz o que tencionava. Entrei no carro com Mariana e o amigo nos deixou em casa.

Lá chegando, comecei rapidamente minha empreitada em encontrar o dono do aparelho afogado... Agenda completamente estranha, nomes os mais diferentes de um local bem longe da minha cidade. Esposa – demarcada carinhosamente na lista (“Dona Encrenca”) -não atendia (Acho interessante isso: mulheres quando sozinhas, sem marido em casa, acham coisas à beça pra fazerem... Não pensem besteira! Eu, por exemplo, adoro ficar sozinha pra resolver minhas coisas, sem ter ninguém me chamando a toda hora... Ponto pra esposa!).

Inúteis, as tentativas com a “Dona Encrenca". Contatei a irmã - divina fraternidade que não nos deixa na mão... Conversas gentis com trocas de afetos recém descobertos. Números de telefones trocados (estava resguardando o que achara, visto que a bateria dele estava acabando e eu não possuía carregador que fosse condizente e...), agradecimentos feitos e novas amizades em vista. Após umas três horas mais ou menos, e o recebimento de várias ligações de amigos e funcionários do dito cujo, eis que nos falamos por telefone (dele). A voz do homem era um misto de impaciência, medo e euforia. Em poucas palavras notei que sua vida profissional não possuía rascunhos. Foi, segundo ele, a maior imprudência que poderia ter-lhe acontecido, num momento de distração. Resolvidos os detalhes, marcamos para eu lhe entregar aquele que, pelo que venho observando, é o melhor amigo do homem na atualidade. Ele veio sorridente até o precioso aparelho, falando sozinho, com um semblante aquietado ao mesmo tempo. Já no portão de minha casa parou o agradecido dono do celular que, com meias palavras e um olhar mais apreciativo do que o normal (daí entendi o pseudônimo da esposa), pegou o telefone que eu lhe devolvia - enquanto eu o aconselhava a cuidar bem do amigo fiel e fujão que não o deixara na mão, mesmo após ter sido afogado impiedosamente... Assim que achar um na promoção, compro um aparelho heroico daqueles (mas sem deixar o meu lindo e felpudo Argus de lado – ele também me é fiel há mais de dois anos e não se perde do meu quintal; além do mais, não precisa de bateria...).

Após um vago sorriso de agradecimento, foi-se embora e eu entrei em casa, sem olhar pra trás. Ganhei meu dia. Minha sensação foi de vitória, quando meus dois rebentos me perguntaram se o dito cujo, dono do aparelho, ficou feliz. É como se meu coração ficasse mais leve. Meu sábado teve o gostinho de mais um dia inesquecível. Explico: para pessoas como eu, pequenas coisas como essas possuem certo valor que, agregado a minha existência simples, me fazem muito bem.

Luzia Avellar
Enviado por Luzia Avellar em 15/11/2012
Reeditado em 15/11/2012
Código do texto: T3987024
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