QUANDO SE PERDE O ACENTO
 
Flavia Costa

Essa vida é mesmo surpreendente. Descobri recentemente uma homônima de nome, sobrenome e, segundo amigos, até trejeitos. Dizem que ela “pensa” girando os olhos como eu, mas como nunca me vi pensando, discordo, pois acho que pensamentos são sistematizações puramente mentais, não maluquices oftalmológicas. Louca, acredito que não seja e, claro, por dedução, a de mesmo nome, certamente, também não.

Por esses processos de socialização possíveis somente em tempos digitais, fomos apresentadas por meio do facebook, e travamos (teclamos) um breve “diálogo”, juntamente com a nossa amiga em comum. Já vou logo avisando que não foi um simples bate-papo, a conversa virtual transformou a minha existência. Talvez, nunca mais serei a mesma. Por isso, amigos, peço a ajuda e opinião de vocês que lerão essa confusa crônica, se é que compreenderão alguma linha.

Bem, como eu já sabia da existência da OUTRA que tem meu nome, sobrenome e características, por meio da citada amiga que nos apresentou e, como ela também já tinha ouvido falar sobre mim, estávamos cientes de nossas semelhanças. Mas, para deixar bem claro as nossas diferenças, disse a ela que o meu nome era sem acento, ao contrário do dela. A moça, então, me veio com a seguinte resposta: “sou um projeto em andamento, quando concluído tiro o acento”. Tá certo que eu achei a resposta inteligente, mas depois me senti velha, acabada e sem expectativas. Desde então, estou em crise. Nunca iria pensar (sem rodar os olhos, claro) que o fato de meu nome não ter um acento, faria de mim um SER concluído.

Assim, fiquei me perguntando: quando alguém pode se considerar um projeto acabado? Bom, aos olhos da minha xará acentuada, eu não conto, pois, afinal, sou átona e, como isso ocorre desde que fui registrada, teoricamente, sou um SER COMPLETO desde o nascimento, resumindo: VIVO EM EXISTÊNCIA PLENAMENTE ESTÁTICA. Devo confessar que só descobri a falta diacrítica depois de adulta, então, talvez, na prática, tenha sido bom para mim, afinal, quem não sabe que é um SER ÁTONO pode desenvolver sua existência além de agudos, enquanto vive na ignorância de um nome CONCLUIDAMENTE DESACENTUADO. Mas o que percebemos, na maioria, é que quem conclui algo quer sempre mais, então, se eu concluí algo em minha existência, deveria querer mais. E esse mais seria um acento, depois outro e, quantos fossem possíveis, era o que eu imaginava.

Na verdade, antes de me sentir UM SER DESACENTUADO, acreditava que limitar a plenitude da existência do SER a um reles sinal gráfico, seria tornar muito simples algo tão complexo. Para mim a existência é feita não só de acentos, mas de muitos outros elementos e pontuações que se ganham e que se perdem nas reticências da vida, formando num processo continuo o SER, até que um dia, sem que saiba, a existência tem um ponto final, mesmo que ele não tenha concluído o projeto de SER PLENO. É assim a gramática da vida, não acham?

Ou, estou enganada e, a frase do EU OUTRA ACENTUADA é verdadeira? Um SER ACABADO é resultado de um processo que quanto mais “enxuto” melhor? Vamos perdendo acentos que herdamos no berço até nos tornarmos SERES HUMANAMENTE DESACENTUADOS e, conscientes átonos que não temos mais nada a evoluir (ou perder?), assim como no hino, deitamos em berço esplêndido e esperamos pelo ponto final.

Sinceramente, agora, eu, um SER que apenas existe EM PLENITUDE ESTATUAMENTE ÁTONA (foi ela que disse), não sei o que pensar (acho que revirei os olhos!). Entre tantos acentos dessa vida, nunca poderia supor que a falta de um, transformaria alguém em um SER DE EXISTÊNCIA PLENA. E, muito menos poderia supor que esse alguém seria eu. Um SER que até ser surpreendido pela revelação de um duplo (estudante de psicologia, por sinal), estava certo que era um SER carente em diversos aspectos e que tinha muita coisa para concluir, aprender e desenvolver em uma existência mutante.

O que será da minha vida daqui para frente, não sei dizer. Um SER CONCLUÍDO deve viver no MARASMO DE UMA EXISTÊNCIA DESACENTUADA ou, deve se rebelar contra a falta de agudos e, buscar uma EXISTÊNCIA ALÉM DE VOGAIS DIACRÍTICAS, apesar da certeza da não plenitude em tantos dias críticos?

Desculpem amigos linhas tão confusas e interrogações que devem ser típicas de projetos concluídos, que não têm mais nada a fazer na vida e ficam perguntando para SERES EM CONSTRUÇÃO como passar o tempo e resolver problemas existenciais infindáveis, apesar da FINITUDE DO SER, a julgar pela tônica. Por favor, perdoem os devaneios de um SER PLENAMENTE DESACENTUADO, compreendam que depois da descoberta e revelação de um duplo qualquer um PERDE O “ACENTO”.




P.S.: Deixo aqui uma frase que li no dia seguinte após conversa virtual. A frase é de autoria de uma amiga escritora aqui do Recanto. Curiosamente o nome dela e da amiga que me apresentou à minha VERSÃO AGUDA são iguais (o sobrenome já seria demais). Na confusão que me encontro tantas revelações em nomes, acentos, desacentos e frases devem representar alguma coisa.

Indefinições do Ser (Juliana S Valis)
"Ainda que o tempo seja tão imprevisível na arte de transformar as mentes, as almas e os sentimentos humanos, ninguém sabe perfeitamente as dimensões exatas de seu próprio e misterioso ser."



 
Leia também "Quando se Perde o Acento (Versão Aguda)": http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4019870