A solidão

Estas são linhas frágeis. Pela primeira vez atrevem-se a se apresentar a quem as lê; e são filhas da insônia, mãe solteira. Ao unirem-se, letra a letra, elas têm a misteriosa intenção de libertarem-se da solidão de linhas avulsas. A cada olhar estas linhas alcançam liberdade, pois comungam de uma intimidade com quem as lê, as interpreta, as recebe.

As madrugadas de calor sempre intenso, me convidam a transpirar o que há de pior e de melhor em meus pensamentos. Transpiração involuntária, circunstancial, inevitável. Impressões inconvenientes, resguardadas de qualquer exposição por polidez e bom senso começam a vazar-me pelos poros, e em cada resfolegar. Aceitei o convite quase sem alternativa, e cá estamos.

Parece-me um ato quase expurgatório, urgente desde que notei o quão perigosas eram determinadas sensações, caso decidissem aflorar instantaneamente. É como se estivesse com o dedo no gatilho de uma arma carregada durante tempos, e pudesse puxá-lo a qualquer instante, atingindo o alvo mais próximo, mesmo o menos merecedor.

Permeiam meu pensamento as intermináveis angústias de algo que parece inacabado, mal resolvido, não concluído. Tantos pontos finais deixam-me a impressão de que eu me constituo de infinitos pontos de interrogação e reticências. Foi quando surpreendi-me, absorta de mim mesma, em uma completa solidão. Ouço ao fundo o trilar dos grilos da vizinhança neste instante.

Percebo paredes que não falam, abóbada celeste coberta de estrelas as quais nem mesmo sei se já se apagaram. Testemunhas mudas, melhores impossível para acompanhar minha revolução silenciosa, processual, cujo propósito maior é encontrar-me comigo, onde quer que eu tenha me perdido.

Absolutamente tomada pela ideia de permitir que me absorvam as ondas e ondas de pensamento que me inundam, apresento-me disposta a testemunhar, letra a letra, a solidão infinita na qual me vejo subitamente mergulhada.

De repente, tudo e nada resumem-se a completa ausência de completude. De vazio infindável. Paredes trazem o aspecto das verdades encobertas pelas tintas do futuro e pela fuligem que traz o tempo. A mesma fuligem que parece me encobrir por inteiro sempre que retomo a lembrança do que ainda não vivi. E um súbito silêncio dentro em mim, impenetrável. Todo o burburinho das vidas ao redor, e eu experimento uma espécie de transe onde nada nem ninguém pode ter acesso. Estamos aqui, apenas eu e o vazio. Apenas, e ao mesmo tempo, tudo. Tudo era o vazio e eu. E tudo era nada...

Magali Lopes
Enviado por Magali Lopes em 25/11/2012
Código do texto: T4003746
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