Considerações sobre a desconsideração em massa

Considerações sobre a desconsideração em massa pela ótica apoteótica e apocalíptica de um poeta com olhos de radar.

Jorge Linhaça

Ok. O título foi propositalmente longo e quase sem sentido, afinal é assim o nosso dia a dia quando abrimos os olhos e passamos a perceber a realidade escancarada e as motivações nem sempre tão claras de pequenas coisas do cotidiano que nos parecem por demais corriqueiras para que nos incomodemos com ela.

A desconsideração do homem para com seu semelhante é sintoma ou doença da sociedade atual?

Será que estamos diante de uma quase nova patologia que epidemicamente toma conta de cada esquina e de cada íntimo do ser humano?

Pode parecer bobagem para muitos, mas o maior problema que temos hoje em nossa sociedade é o individualismo escancarado e a constante aplicação das teorias Darwinianas na busca pela vantagem que puder ser auferida por este ou aquele cidadão em detrimento do direito dos demais.

Não vou falar de política partidária pois isso seria motivo para um tratado e não para um rústico ensaio sobre a problemática que meus olhos de poeta e escritor percebem no meio do povão mesmo.

A desconsideração do homem para com o homem fica escancarada em coisa consideradas triviais e que muitos vão entender como normais, até concordando com elas, mas é impossível a mim não comentar essas miudezas da vida cotidiana das grandes cidades e quiçá mesmo das pequenas.

Os barzinhos e mesmo os botecos, são uma das fontes maiores de visibilidade da "Lei de Gerson" que me perdoe o canhotinha de ouro,( mas quem mandou fazer aquela propaganda do Vila Rica, Certo? )

Claro que cada um tem o direito de buscar o seu sustento e ter seu próprio negócio conquanto suas condições econômicas assim o permitam, o problema é quando, em virtude dessa atividade, passam a tomar conta do espaço público como se fora um puxadinho do seu estabelecimento.

Aqui em Salvador, de onde agora eu escrevo, os bares chegam ao cúmulo, obviamente respaldados na falta de fiscalização e na modorro em que vive o poder público municipal, de espalhar suas mesas e cadeiras, não apenas pelas calçadas, impedindo a passagem de pedestres, o que já seria um ato absurdo e abusivo, vão além´m disso, espalham mesas e cadeiras na própria rua, dificultando a passagem dos veículos e eliminando vagas para estacionamento.

O que se vê a partir daí é o seguinte...os donos do estabelecimento se julgam proprietários de espaço público, impedem a circulação de pedestres pela calçada e ainda invadem o meio fio com suas mesas. Um bando de inconsequentes e tomadores de cerveja acha isso a coisa mais normal do mundo e "que se dane o mundo que eu não me chamo Raimundo". Desde que ele possa tomar sua cerveja os outros que se danem.

Os pedestres tem que se desviar para o meio fio, ou teriam, já que este está devidamente tomado por mais um bando de irresponsáveis e parasitas sociais. Sim parasitas sociais pois se apropriam do que não lhes pertence, considerando-se acima dos direitos dos demais.

Enfim, os pedestres, adultos, idosos, crianças, cadeirantes, que se metam no meio da rua e disputem a passagem com os carros que tentam circular, sujeitando-se a por as vidas em risco.

Enquanto isso os donos de boteco riem a toa pois estão faturando alto.

Aqui a coisa é tão ridícula e grotesca que um boteco de digamos 4 metros quadrados, utiliza 4 vezes ou mais esse espaço entre calçada e rua. Assim fica fácil tocar um negócio, basta ter uma porta de aço e um buraco qualquer onde caibam as geladeiras para gelar as cervejas e mais um fogão para os petiscos e está tudo resolvido.

Se isso não é uma falta de consideração com o semelhante não sei mais o que será.

Não se tratam de casos isolados d um ou outro botequinho em uma rua escondida, isso é epidêmico, espalha-se como um vírus mortal por toda a cidade.

Dias atrás eu fui a um tal de espetinho, aqui próximo ao caminho de areia, numa rua que vai dar lá quase na feira do Jardim Cruzeiro. para melhor localizar quem é daqui, a rua que é continuação da rua onde o Jóia faz esquina com a caminhos de areia. Rua Duarte da Costa, informa-me aqui minha assistente...

Pois bem, aproximei-me do estabelecimento e quando ia estacionar vi que a frente do mesmo estava isolada por cones. Parei ao lado e perguntei se poderiam retira-los para que eu estacionasse..a resposta foi que não por que ali era lugar de porem mesas ( no meio da rua )...quando perguntamos como faríamos então , uma das funcionárias apontou o outro lado da rua, num estacionamento que ladeia uma farmácia e disse...olha quanto lugar ali...pra mim foi o que bastou...avancei com meu carro alguns metros, engatei a ré e fui arrastando os cones atrás do carro.

Acreditem, houve clientes que quiseram me contestar dizendo que estava errado ( obviamente já haviam ingerido algumas "torres" de Chope. Desci do carro já pronto pra encarar alguma discussão dos proprietários do tal churrasquinho. Pois bem...nenhum deles deu um pio que fosse...olharam feio é verdade, mas fiz questão de me sentar e fazer meu pedido...comi e fui-me embora sem que uma palavra dissessem.

E aí que dissessem, iam ouvir uma lição de cidadania e sinceramente eu faria um barraco tão grande que fecharia aquela coisa por um bom tempo.

Hoje circulando por ruas terciárias era quase impossível conduzir o carro, exatamente pelo mesmo motivo,

cadeiras e mesas espalhadas pelas ruas e as pessoas alheias ao que poderia acontecer.

Vagas de deficiente e idosos...isso é coisa séria por aqui...todos ocupam essas vagas, menos os deficientes e os idosos...o mesmo se dá nas filas preferenciais, só não se vê idosos, gestantes e deficientes nessas filas, a desconsideração pelo próximo aqui ( e em outros lugares não deve ser muito diferente) que acredito que os idosos nem saibam que tem esse direito, tamanha a falta de cidadania do povo soteropolitano de um modo geral.

Aqui as pessoas param o carro no meio da rua para conversar com o motorista que vem em sentido contrário e que se dane quem estiver atrás...passam minutos falando sobre o cunhado da vizinha do porteiro do prédio onde mora a colega de trabalho da prima da cabeleireira da mulher de um deles.

Os pedestres aqui também não tem nada de santos e sinceramente alguns até que mereceriam ser atropelados, tamanha é a folga com que caminham pelo meio da rua mesmo que as calçadas estejam livres e ainda te olham com cara de deboche.

Não sei dizer se o mundo está chegando ao seu fim, mas as pessoas aqui em Salvador ( e creio que me outros lugares não seja muito diferente, apesar que aqui vejo coisas que se contar ninguém acredita), ao menos a grande maioria, já chegou ao fim da civilidade, não tem mais parâmetros do certo e do errado.

Pode-se culpar o Governo por não atuar mais incisivamente, é verdade, mas se a educação não vem de berço, se o povo só quer saber de bebedeira, carnaval e bacanal...não creio que algum governo de conta, por mais competente que possa ser ( o que sabemos nós não é o caso de nenhum governante brasileiro)

A grande dúvida que me fica na mente, fã que sou de Gregório de Mattos e de seus escritos, é se o povo daqui não parou no tempo da província no que diz respeito aos costumes bucólicos e se a modernidade que existe hoje nas ruas, infestadas de celulares, só não serviu para escancarar o fato de que Salvador, ao contrário do que dizia o ACM , continua com os mesmos maus hábitos da era barroca.

Existem por certo soteropolitanos educados, cumpridores dos seus deveres e ciosos de sua cidadania, mas o errado é tão aparente e tão escancarado que estes passam despercebidos em meio ao comportamento de manada da maioria da população desta cidade.

Falo de salvador porque aqui estou, mas esse comportamento de manada já vi por quantos lugares passei, no Brasil e no exterior...as pessoas fazem o que vêem os outros fazendo, não importa se é certo ou errado.

Como uma boiada que estoura porque o líder se assusta com algo e começa a correr, assim é o ser humano de hoje em dia.

Falam do que ouviram dizer e juram ser verdade...evitam ao máximo pensar por si mesmos e parece que nunca saem da adolescência.

Compromisso é uma palavra que soa como palavrão aos ouvidos de muito, casamento é coisa de babaca...estar em casa com a família soa menos importante do que ir para uma churrascada regada a cerveja , whisky e seja lá o que mais.

Conheço aqui, como em outros lugares, pessoas muito boas de se conviver mas que infelizmente acham que sua felicidade está em ser "garanhão" "beberrão" e inconsequente.

Salvador é hoje, infelizmente, a apoteose do desrespeito ao próximo. Se aqui fosse o velho oeste não seria nem um pouco difícil ver duelos na rua a cada dia, marcados para o meio dia ou o nascer do sol...por que não para o fim da tarde perguntarão alguns...ah...é que no fim da tarde sempre há uma mesa no meio da rua esperando para uma boa rodada de cerveja.