O TEMPO, DEUS E EU

O Tempo – estudado por muitos filósofos, entre eles Aristóteles, e por teólogos - tem sido um tema constante dos meus textos. Até Já disse, em alguns deles, que o considero um instrumento de Deus, mas, pensando bem, Deus, assim como faz com o homem, uma criatura sua – pois tudo foi criado por Ele – o homem a quem deu o livre arbítrio, plena liberdade para agir a seu modo, conduzir a sua vida como lhe aprouver, para o bem ou para o mal, embora haja muitos casos em que fatores estranhos, adversos ou favoráveis, possam alterar-lhe os rumos, para a sua felicidade, ou para a sua desgraça.

Há uma expressão muito usual que costuma ser aplicada nas mais variadas situações. Essa expressão é: ASSIM É A VIDA. Se uma pessoa é considerada rica e, por infortúnio, torna-se pobre, diz-se: “assim é a vida”. Se ocorrer o contrário, de pobre se tornar rica, também se diz: “assim é a vida”. Se morrer moço, qualquer que seja a causa, doença imprevista, acidente ou outro motivo, “assim é a vida”. Em situação inversa, se a pessoa falecer com mais de oitenta anos, “assim é a vida”... É verdade, sim, que Deus deu ao homem o livre arbítrio. Entretanto, mesmo aceitando esse princípio, entendo que em quase todas as situações, ou em todas - sempre está a mão de Deus.

Todo esse preâmbulo, talvez supérfluo, é para – com a permissão dos meus poucos e benevolentes leitores – discorrer um pouco sobre a vida que Deus me deu. Costumo dizer que Ele sempre foi muito generoso comigo; alguns eventos no curso de minha já longa existência e que até abalaram minha estrutura sentimental, tais como: a morte do meu pai aos 68 anos, com a qual demorei a acostumar-me; a de um sobrinho, assassinado aos 20 anos; o desaparecimento de minha querida mãe, aos 83; a do meu irmão e grande amigo, José Augusto, aos 80, e a de duas irmãs – sobre todos esses acontecimentos Deus, com o decorrer do Tempo (mais uma de suas funções), me ajudou a superar. Vários outros acontecimentos adversos Deus me ajudou a vencer. Mas, acho que, com a idade que alcancei e o estado de saúde um tanto abalado, dificilmente conseguirei superar novas perdas dessa mesma natureza, a não ser que o Juiz da nossa vida decida o contrário. Penso muito nisso.

Quanto ao livre arbítrio, deixar que o homem ou a mulher escolham o seu caminho, ou que fatores exerçam a sua influência, entendo que a forma como os pais educam seus filhos é causa primordial que pode modificar os rumos da nossa vida. E isso os meus pais, graças a Deus, souberam fazer. Eu sei com quanta dificuldade eles nos proporcionaram educação. Vou só contar um episódio (o que talvez já tenha feito, mas um dos meus defeitos é ser repetivio): certa vez, sabedor da dificuldade de papai, com a solidariedade de minha mãe (que me desasnou com a carta de ABC e a Tabuada e me ensinou a ler nos livrinhos de mitologia ainda do meu irmão (que até fertilizaram minha imaginação), com quanto sacrifico, repito, mantinham meu irmão, mais velho do que eu quase dez anos, estudando no Ginásio Diocesano Santa Luzia (um estabelecimento particular onde a maioria dos alunos eram filhos de pais ricos); pois bem, um dos seus primos ricos disse-lhe um dia: “Chico, deixa de besteira; compra um jumentinho com ancoretas e manda esse menino vender água do rio nas casas”... Meu pai respondeu-lhe: Não, Deus vai me ajudar a manter José no Ginásio”. E José, além de concluir o Ginásio, fez - contando com o apoio do dono do Cartório onde se empregara - o curso de Direito na Faculdade do Ceará. E assim foi comigo e com minhas irmãs. Enquanto isso (não digo com soberba, Deus me livre) os seus filhos, assim como os de outros primos e coronéis (da Guarda Nacional, patentes honoríficas naquela época compradas), pensando que sua fortuna não teria fim, nenhum estudou e eu os conheci depois em dificuldades financeiras.

Pois é: os rumos da nossa vida dependem de muitos fatores, entre os quais conta primordialmente a sabedoria com que os nossos pais nos educam. Um outro detalhe: jamais José fumou ou disse palavrão na presença do nosso pai, exemplo que segui. E Deus via tudo isso e nos deu uma vida feliz.

Permita-me o leitor contar mais um fato, este pitoresco: quando eu era menino, morou num casarão da minha rua um funcionário do Banco do Brasil, que era o contador. Chamava-se Inácio Soriano de Amorim Caldas. Só trajava terno de linho branco, completo, ia e vinha pelas calçadas da nossa rua, mas não cumprimentava ninguém. Ao mesmo tempo em que era motivo de honra para a vizinhança, era também de inveja. Uma tarde, após o almoço, troquei de roupa, calcei meus “pés de anjo”, arrumei livro, caderno, tinteiro, caneta, lápis, borracha, etc. numa lata de chocolate quadrada, que, naquele tempo, vinha com chocolate importado, e segui para a escola primária de Dona Candinha, filha do carcereiro José Faustino, a primeira da então chamada Rua da Frente. Mas, quando ia passando em frente das altas e largas janelas onde morava seu Caldas, uma se abriu e surgiram suas duas filhas, uma delas, Lilian, linda como uma princesa. Atordoado, tropecei numa pedra de calcário da calçada, a lata com o que tinha dentro se espalhou no chão e eu, quase cego de vergonha, juntei tudo, levantei-me (elas deviam estar rindo na janela) e segui.

Pois bem, os anos foram passando, concluí o curso ginasial e um ano depois apareceu um concurso para o Banco do Brasil. Submeti-me a ele, fui aprovado, tomei posse em 19.11.1943. O Tempo foi passando. Dediquei-me ao Banco com todo o entusiasmo até ter condições de casar-me com Brasília, quatro anos depois. Os anos continuaram passando e eis-me Subgerente e, mais adiante, Gerente da agência, naquele tempo uma das autoridades da cidade.

Bom, vou terminar por aqui. Teria, ainda, muitas histórias para contar sobre a ação do Tempo e sobre os desígnios de Deus em nossas vidas. Quando a inspiração me visitar outra vez espero ter disposição para contá-las.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 02/12/2012
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