Aqueles que leram “Quando Se Perde o Acento” sabem que fui intitulada pela minha versão diacrítica como átona crônica e, em um dos comentários do referido texto, um dos leitores sugeriu que fosse escrita a outra versão. A sugestão era para a tônica, mas ela ficou meio atônita com a proposta, então, eu, mesmo sem acento, resolvi “me arriscar em uma crônica aguda”.
O olhar parte do outro ponto (acentuado), mas a autora é a mesma, então, qualquer semelhança ou diferença com o primeiro texto (desacentuado) é apenas uma questão de acento.


Quando Se Perde o Acento (Versão Aguda)
Flavia Costa


Alguns acontecimentos na vida são realmente incríveis e transformadores. Recentemente, fui apresentada por meio do facebook a uma xará, que além de ter o mesmo nome, tem também o mesmo sobrenome e, segundo a amiga que nos apresentou, alguns trejeitos semelhantes. Conversamos por meio de comentários na rede social e em um determinado momento, para evidenciar nossas diferenças, ela falou que o nome dela era sem acento, diferente do meu. Então, disse a ela que eu era um projeto em andamento, quando concluído tiro o acento.

Sinceramente, nunca pensei que uma frase pudesse causar tanto efeito em alguém. A minha Homônima Desacentuada disse que se sentia velha e acabada, falou que estava em crise já que era um projeto concluído e sem acento, pediu até ajuda. Na hora eu achei exagero da parte dela, mas, por educação, disse que poderia oferecer tratamento psicológico como estagiária, que ela cobrou que fosse de graça. Concordei e a conversa seguiu por outros rumos, com brincadeiras por parte de nossa amiga em relação aos acentos e desacentos dos nossos nomes. Depois, com mais calma e longe da efemeridade da rede social, comecei a refletir sobre plenitude, vida, acentos, desacentos e gramáticas.

A proposta de plenitude em acentos e desacentos é algo que, realmente, nunca tinha pensado, aliás, acho que nunca tinha pensado em plenitude. A minha frase foi só uma brincadeira, mas o comentário da Versão Átona me obrigou a refletir.

Apesar de, num primeiro momento, ter achado o desespero da minha Xará um tanto quanto acentuado e sem sentido, percebi que talvez eu tenha sido muito enfática com relação essa questão de acento. E uma frase pode sim causar efeito em alguém. E quando disse isso, anteriormente, não estava me referindo a Versão Sem Acento que, concordo, teve motivos para ficar confusa.

Ela tem razão, eu limitei a existência com minhas palavras, deixando-a sem expectativas. Um acento, ou a falta dele, é muito pouco para definir alguém como um projeto concluído. Pois a vida só tem fim quando acaba, enquanto isso vai se caminhando, tentando alcançar acentos, tropeçando em vírgulas, saltando dois pontos ou com jeitinho passando entre eles, aprendendo novas regras gramaticais, cometendo erros em algumas já conhecidas e corrigindo outras.

É, de fato, a gramática vida é novidade a cada dia. Ou por que a situação é inédita ou por nós não sermos os mesmos em circunstâncias semelhantes, mas em momentos diferentes. Estamos sempre em reforma. E, essa constante mudança, faz com que façamos leituras diferentes dos diversos textos que nos apresentam, mesmo que já os tenhamos lido em outras oportunidades. A nossa pouca bagagem e conhecimento, muitas vezes, nos levam a interpretações inadequadas ou distorcidas de algumas leituras, em alguns casos por que não foram bem escritas, outras por que passamos batidos em alguns pontos e não analisamos palavras, frases, acentos evidenciados e ocultos. Mas, em alguma outra situação, com alguns textos a mais em nossa mochila, a mesma leitura, do mesmo autor, ou até de um outro diferente, pode ganhar outro sentido, somando acentos à nossa existência.

Certamente, saber e ler e interpretar da melhor forma possível é importante. Mas, a meu ver, temos que ter consciência que cada um enxerga o texto de modo diferente, a minha interpretação nem sempre será igual a do outro, teremos discordâncias, mas isso não faz da minha interpretação melhor ou pior, apenas diferente. E é aí que entra a questão da escrita. Impor a interpretação pode borrar uma página na existência. Não há leitura sem escrita e esse, sem dúvida, é o maior acento em busca da plenitude. Tal qual a leitura, a escrita também não é perfeita. É claro que escreveremos muitas palavras erradas, mesmo conhecendo ortografia, vamos colocar ponto final em vírgulas e virgular outros pontos, e, acredito, por sermos humanos, interrogaremos exclamações. São acentos graves, mas ninguém está livre deles e fazem parte da nossa busca constante.

E, nessa eterna busca, acontecimentos podem nos fazer questionar toda a gramática e, até mesmo, achar que ela não faz sentido. No ponto final de alguns, é provável cultivarmos sentimentos de não reticências, elaborarmos frases interrogativas e durante um tempo (para uns mais, outros menos) vivermos uma vida átona, resultante do acontecimento agudo marcante. Serão dias críticos, mas devemos lembrar que a existência é partilhada e a palavra que estava ao nosso lado e se extinguiu, escreveu conosco belas histórias e, decerto, ela quer que continuemos escrevendo, mesmo que ela seja apenas uma recordação em páginas pretéritas, sempre lembrada em escritas presentes. Nessa gramática vida, a regra do ponto final é igual para todos, se nos conscientizarmos disso e aprendermos a viver o antes, o durante e o depois, com gratidão, certamente, viveremos com mais serenidade, mesmo após a extinção das palavras que amamos. E, mesmo que em alguns casos exista um culpado pela morte de determinadas palavras, não podemos viver ruminando isto e, tampouco, acusar as palavras que se extinguiram, a história segue, não há conspirações, é apenas a gramática. Não cabe a nós entender o porquê, que, aliás, não é apenas um, mas vários, escritos de tantas formas que nos impossibilitam compreendê-los.

É interessante que a maioria de nós nasce dentro de uma determinada crença aguda acreditando ser o caminho para a plenitude. E, com o tempo, descobrimos que existem também circunflexos e tils e tantos outros credos, havendo, inclusive, a crença na não acentuação. Acredito que cada um deve pontuar a sua vida com a crença que pensa ser a melhor para si, o importante são as ações da palavra, independente da tônica. Penso que o que nos move é algo muito maior que credos em determinados acentos, essa é só uma parte da gramática, envolta em muitas teorias. Porém, a gramática, de fato, se faz na prática. Evidente que a crença em determinada acentuação, para muitos, é importante para o direcionamento da regra maior, o que não se pode, em minha opinião, é acreditar que nossa teoria é a melhor e deve se aplicar a todos. Que diferença faz para o til se o circunflexo acentua com uma crença diferente, mas vive a gramática com poucos erros de ortografia e com uma escrita quase exemplar? Não há por que brigar e tentar convencê-lo a acentuar igual.

Talvez, seja a discordância e tentativa de impor certos acentos e pontos que tornam a nossa plenitude mais distante, ao transformamos com atitudes a nossa existência em não comunhão. Sim, porque a plenitude, acredito, deve ter como um dos pilares a comunhão. E essas discordâncias e imposições entre palavras, tornam-se hífens tênues, que ligam, mas separam as palavras nem tão unidas como antes. O traço é, acima de tudo, a marca aguda do relacionamento que era e já não é mais. Em alguns casos esses distanciamentos podem se tornar palavras espaçadas e em outros, com elo totalmente rompido, transformam-se em parágrafos americanos (semelhantes aos usados nesse texto). Perceba a distância do relacionamento e, provavelmente, também da plenitude, para ambos os lados.

Apesar de acreditar em tudo isso, penso que o que nunca devemos esquecer no nosso eterno projeto é que: EU sou o pronome mais importante do dicionário e devo amá-lo e respeitá-lo antes de qualquer coisa. E claro, EU devo sempre lembrar que a existência não se conjuga sozinha, também há Nós, Ele, Ela, Elas, Você e Vocês (particularmente, encontro dificuldades em conjugar com Tu e Vós), não há vida sem Eles. Mas a plenitude é essência singular do EU. Evidente, podemos senti-la na efemeridade infinitiva do Verb To Be inglês que confunde. Porém, a busca não é uma questão de estar, mas do SER.

Tudo isso, acredito serem caminhos para a plenitude. Mas, afinal o que é plenitude? Ser pleno, talvez, seja como ter asas, sentir a liberdade e estar acima de qualquer coisa, não se sentindo superior a nada ou a ninguém, é poder ver as coisas com a sabedoria de quem olha de cima, enxergando todas as possibilidades e planar nas resoluções. É, talvez seja algo assim. Mas, e se o que confere autonomia e dá asas ao voo for a forma circunflexa, como podemos voar em novas ortografias?

Eis o grande dilema, com tantos acentos que vão e vêm viver em plenitude é realmente difícil. Provavelmente, o objetivo seja achar um equilíbrio nisso tudo, cabe a nós nos adaptarmos. Certamente a vida é isso: adaptação. E, talvez, o que menos importa são os acentos ou a falta deles. Acredito que o caminho deva ser buscar as asas que existem dentro nós, e elas não precisam ser circunflexas no voo, pois é nos momentos agudos e graves e no cotidiano átono que existência se faz. A felicidade maior deve ser sentir as asas internas sem sair do chão.

Bom, isso é um pouco da regra básica da gramática que conheço e acredito, pode não ser a melhor, talvez alguns pontos mudem nas próximas páginas, mas, hoje, é assim que penso. Na consulta gratuita com a Homônima Sem Acento no Nome, certamente, mostrarei isso a ela. Direi que, estava enganada, ela não é um projeto concluído, nem eu, tampouco, serei. Na busca contínua pela plenitude, decerto, não são os diacríticos ou a falta deles que fazem a diferença, o importante deve ser a maneira que acentuamos cada instante, inclusive sem acento, porque, afinal, a tônica da existência é que ela seja acima de tudo Acentuada, não importa o acento.






P.S.: Agradeço ao Egon Werner pelo comentário, sugerindo um texto escrito pela Homônima Acentuada e a todos que leram e deixaram comentários em “Quando se Perde o Acento”, contribuindo indiretamente para essa segunda versão. Agradeço, em especial, à Flávia Costa (com acento) que, apesar de não ter aceito a proposta, sem saber, contribui em um dos parágrafos desse texto e, principalmente, queria agradecê-la pela frase, bem-humorada e inteligente, que me permitiu, por duas vezes, brincar de escrever e refletir sobre viver. Obrigada a todos.

Abraços,
Flavia Costa



Se você não conhece a primeira versão de “Quando Se Perde o Acento”, está convidado a clicar no link abaixo. Mesmo que não esteja acomodado em nenhum "Acento", suponho que não irá se cansar.
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3998140