O CONTADOR DE ESTÓRIAS

Adeícula de Freitas era o nome completo do popular Deíco. Morava próximo à Praça União, em Calambau.

Tocador de baixo na banda Santo Antônio, por sinal, muito bom. Exímio pescador, sempre passava com lindas piabas vermelhas pelas ruas da cidade. Tinha a fama de comer qualquer peixe separando os espinhos na boca.

Excelente pedreiro mas, para a criançada, o seu melhor atributo era contar estórias.

Quando trabalhava na fazenda do meu pai, Zé Carneiro, o Deíco fazia a alegria da meninada. “ O Deíco virá, na próxima semana, fazer uma reforma na fazenda que deverá demorar uns quinze dias”. Era a notícia que passava de boca em boca.

Geralmente, lá pelas seis horas da tarde, começava a seção de estórias. Como era mês de junho, acendia-se, no terreiro, um fogo com palha de feijão e gravetos. Todos aglomeravam-se em volta do fogo e Deíco, primeiro, aquecia as mãos. Depois, solenemente, perguntava-nos qual a estória que queríamos ouvir, depois de citar vários títulos.

Escolhida a estória, todos , em silêncio, aguardavam o seu início.

“ Era uma vez, um homem que não tinha medo...” ( Deíco ia descrevendo a coragem do homem) “... até que um dia ele foi dormir em uma casa mal assombrada.” Aí, a meninada quase perdia o fôlego, de medo. “... em um certo momento, uma voz no teto da casa dizia: olha que eu caio... pode cair, respondia o corajoso. Aí caía uma perna...” A meninada quase pedia para o Deíco parar com a estória. O meu pai Zé Carneiro, que também estava assentado próximo ao fogo disse: - tem gente aí que essa noite não vai dormir sozinho! (pelo jeito estava referindo-se a mim...). Continuando a estória, o homem desafiou a assombração que acabou deixando cair o corpo inteiro.

No final da estória, a assombração era uma alma penada que queria orações. Os filhos do Zé Carneiro e da Dona Cici, naquela noite, dormiram no quarto dos seus pais. Na manhã seguinte, a Dona Cici pediu ao seu compadre Deíco que não contasse estórias de assombração para os meninos.

Nas tardes seguintes, as estórias eram do tipo Joãozinho e Mariquinha, com os diálogos: - Água, meus netos ! - Azeite, minha avó! respondiam os netos, jogando azeite na avó para aumentar o fogo. Tudo isso porque ela era muito má...(puro terror!)

Varinha de condão, Toalha encantada, João Bobo, Mil e uma noites, Zabelinha e várias outras estórias formavam o repertório do Deíco.

Quando a reforma da fazenda estava por terminar, os meninos da fazenda e alguns vizinhos já começavam a ficar tristes, pois não sabiam quando o Deico voltaria.

Tempo bom, em que a figura do "Contador de Estórias" fazia a alegria da garotada.

Murilo Vidigal Carneiro.

Calambau, outubro/2012.

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 07/12/2012
Código do texto: T4024646
Classificação de conteúdo: seguro