TOQUE DE MESTRE

Quem nunca colou em prova? Eu. É verdade, nunca colei em prova. Hoje não faria isso por questões morais, mas na minha infância e juventude as motivações eram outras. Não colava porque gostava de estudar, aliás, preciso corrigir, não é que eu gostasse de estudar, gostava mesmo era de aprender. Fascinava-me o conhecimento. Aprender algo novo sempre foi arrebatador para mim, por isso estudava. Consequentemente estava preparado para as provas e minhas notas eram sempre boas. Mas em meu período escolar sempre estive envolvido com cola. Descobri que era uma boa fonte de renda e de lanches. Passava a cola em troca de merenda, vendia cola por algumas moedas. Arriscava-me, mas até a sensação do perigo era atrativo na cabeça adolescente oscilando entre o proibido e o permitido.

Em duas ocasiões fui flagrado passando cola. Na primeira eu não queria mesmo passar cola, pois o colega não me pagava, não era meu amigo e nem dividia a sua lancheira comigo e ainda era um menino chato pra dedéu. O colante não sabia nem colar. Era bandeiroso demais. Deveria ser inteligente pelo menos para colar. O professor tomou as duas provas, a minha e a dele. Como eu já havia terminado e o professor conhecia tanto a mim como a ele, ficou garantido o meu dez, o zero dele e um sermão constrangedor na aula seguinte.

A segunda vez foi mais interessante. Quando me transferi para a turma da noite no Liceu, pois tive que iniciar no mercado de trabalho aos quatorze anos, conheci um colega, que tinha idade de professor. Ele era radiotelegrafista da antiga RFFSA e me ensinou o código Morse para lhe passar cola nas provas. O Código Morse tem apenas dois sinais, então combinamos que seriam dois tipos de toque com a caneta sobre a prancheta escolar que usávamos na época, um na madeira e o outro no prendedor de metal, assim tínhamos dois sons bens distintos. Eu decorei todo o alfabeto e transmitia as mensagens devagar. Pouco entendia, mas ele entendia tudo rapidinho. Destarte, em toques, ia passando as respostas questão por questão. Ele pagava bem.

Mas um dia a casa caiu. Uma professora viu aquela marmota esquisita que eu fazia na prancheta, toc-toc, teco-teco...

- O que é isso?

- Nada, professora, acho que estou um pouco nervoso.

Fiquei observando o jeito dela. Deu uma volta na sala, procurando alguma coisa. De repente olhou bem para mim e fez um gesto facial que em bom português dizia claramente: “matei a charada”. Aproximou-se, pediu a minha caneta e começou a dar umas batinhas na madeira e no metal da minha prancheta, toc-toc, teco-teco... eu olhando para ela e meu colega anotando. De súbito, o colega colante levantou-se, colocou a prova no birô professoral, olhou para trás, onde estávamos eu e a esperta mestra filha de um radiotelegrafista dos Correios.