COLETIVO ANÁRQUICO

Eu era interno no Seminário São Vicente de Paula, no Antonio Bezerra em Fortaleza. 1970. Meu bom comportamento dava-me o direito de passar o fim de semana em casa. Esse “bom comportamento” significa não ser apanhado em flagrante pelos padres ou algum bedel escroto durante as traquinagens na semana. Qualquer vacilo ou qualquer cabueta poderia me deixar de molho na escola durante o sábado e domingo. Naquela segunda-feira, cedinho, estava voltando de ônibus, pois meu pai mais uma vez batera o carro no fim de semana. Ele dizia fazer coleção de batidas. Lembro de uma vez em que chegou orgulhoso de ter batido seu Jipe num Ford Galaxie, pintura de esmalte. “Foi um barato, mora!” comemorou na linguagem da época.

O ônibus estava lotado, a maioria estudantes, mas um passageiro muito gaiato destacava-se do grupo. Era um bêbado contador de piadas. Os estudantes provocavam, ele respondia, quando não provocavam ele mesmo se provocava. Mexia com todo mundo, senhoras, meninos, meninas, cobrador, motorista, ninguém escapava. Dizia palavrão e era indiscreto, mas a garotada adorava suas intervenções. Já perto da minha vez de descer levantou-se um senhor que não estava gostando nada das brincadeiras daquele bêbedo inconveniente em plena segunda de manhã. Era um marinheiro fardado. O militar levantou-se indignado com tanta bagunça, foi até onde o bebum palhaço estava e com dedo em riste, gritou:

- Cale sua boca suja, seu idiota. OUVIU? E continuou: Se você falar mais alguma coisa, mais uma brincadeirinha sem graça, mais um nome feio eu lhe ponho pra fora do coletivo, ENTENDEU?

Por alguns instantes fez-se um silencio sepulcral. A voz do cara era possante. Sua postura era de quem tinha autoridade. Deveria ser um sargento nascido para ser sargento. Eu mesmo tomei um susto e fiquei caladinho no meu canto. Por alguns instantes ninguém ousou falar, e o bêbado todo encolhido, com os ombros quase escondendo a cabeça, fitava os olhos no militar de farda branquinha, bem engomada, de vinco impecável. De repente virou-se para um lado, para o outro e perguntou:

- Eu subi num ônibus ou num submarino?

Anarquia generalizada.