Emancipação marginal

Eram duas mulheres, sentadas, conversando em voz alta. Uma delas fumava. Era um ônibus de bairro para bairro. Uma linha usada quase que exclusivamente pelas pessoas com uma rotina circunscrita à região. Em 1986 ainda não era proibido fumar em coletivos, pelo menos naqueles de subúrbios mais afastados. Uma delas sentada naquelas poltronas laterais em que o passageiro fica de costas para a janela. A outra se acomodara na poltrona vizinha perpendicular à primeira com uma das pernas sobre o para-lamas que se elevava sob acento em que estava a interlocutora. Estavam trajando short e blusinha. Certamente causavam uma impressão incumum aos poucos passageiros que as olhavam com interesse disfarçado. Nos homens, parecia ser um interesse malicioso, afinal posturas como aquelas só costumava ver em mulheres de vida, por assim dizer, livre. Nas mulheres o olhar parecia ser, no mínimo, de reprovação. Onde já se viu mulheres normais se comportarem dessa forma? Falando alto, com as pernas abertas, fumando e com aquele ar irreverente, quase agressivo! Como se fossem homens! Enquanto elas, moças e senhoras de família, que eram ensinadas desde tenra idade a se comportarem discretamente em público, sabiam muito bem o que não lhes era permitido.