CHORO OU ALEGRIA

Quando eu era criança, na casa ao lado morava um casal.

Às vezes eu ouvia os gemidos da mulher, eram gemidos abafados, sons de um choro sufocado, de quem estava sendo maltratada.

Eu era criança e por trás daquelas portas fechadas eu imaginava quanto sofrimento, a mulher, indefesa, sendo subjugada pelo marido, ele a surrava.

Eu a via no quintal, à beira do poço e olhando para ela, achava incompreensível alguém maltratar uma figura que exalava um não se quê, em nada combinando com alguém que apanhava do marido. No meu íntimo, eu intuía que as mulheres não deviam ser tão submissas.

Um dia, atrevida, abordei-a à beira do poço, disse-lhe que não permitisse que o homem, seu marido, fizesse aquilo com ela.

Ela olhou-me de um jeito receoso, misto de embaraço e receio, balançando a cabeça no modo negativo.

Agora, olhando bem através dos anos que passaram, aquela mulher tinha o semblante esperto, figura lépida, olhos de farolete na escuridão, beiços que despejavam satisfação e a sua pele, cor de noite escura, luzia.

Busco na memória os grunhidos que eu ouvia lá dentro da casa, entre quatro paredes e penso que talvez eles fossem conseqüência de outro tipo de embate.

08/03/2007