CRÔNICA EM ESTADO CRÔNICO

Observar o cenário político brasileiro e sobre ele escrever uma crônica atemporal não é uma tarefa exclusiva de experts na arte literária. Aliás, para ser o senhor do tempo nestas paragens não é preciso nem se ater à política, pois o Brasil há muito se repete e se copia continuamente, deixando seus cronistas num estado um tanto quanto letárgico. O que se escreve hoje é válido para a semana que vem, o mês que vem, quiçá o ano que vem, basta deixar arquivado e na hora de (re)publicar fazer as devidas trocas de nomes dos protagonistas.

Assuntos para aqueles momentos de "branco na hora de escrever" não faltam nestas terras tropicais. Escândalo no governo? É só escolher: federal, estadual ou municipal. Não tem erro, sempre vai estar rolando uma trapaça, um conchavo, uma roubalheira desavergonhada. Coisa para encher mais de uma página, se bem destrinchada. Não deu certo? Cansou de brincar de circo? Sem desespero, basta apelar para os outros clichês nacionais: casal se separando, casal se juntando, casal se traindo. A ex posando nua, a atual perdendo a compostura, ele pegando todas na balada. Necessariamente exemplares da espécie celebridade, é claro, mas essa é nativa do Brasil, que não corre qualquer risco de extinção, portanto, use e abuse à vontade.

Porque aqui é assim mesmo, quando um faz, todo mundo quer fazer igual e não fica nada difícil chegar ao estrelato. Se um sonega e vira capa de jornal, o outro sonega pior e vira capa também, mas algemado. Se uma é expulsa da festa, os outros ganham a vida invadindo. Se a direita faz errado... A esquerda vai lá e não deixa por menos, ué. Afinal, grotescamente citando Marcos Mion em seu programa Covernation (he he he): se é pra copiar, copia direito, porra!

E é tanta cópia que os cronistas acabam sendo injustamente taxados de copiões. Você abre o jornal e o assunto é o mesmo em todas as colunas. Títulos se confundem, frases se parecem, afirmações passam por um processo de osmose. Ninguém mais sabe afinal quem é quem, de que lado veio ou pra que lado vai. Aproveitando o gancho, troca-troca de lado é outro "pretinho básico" brasileiro. Vai bem a qualquer ocasião, variando os acessórios, é claro.

Como podemos constatar, um autor, no Brasil, nunca fica na mão. Até porque é na mão mesmo que se lava tanta roupa suja. Porém, felizmente, esse gigante semi-adormecido guarda outros trunfos na manga para salvar um cronista em estado crônico e um deles é o povo. Falar do povo brasileiro é cair no comum, todo mundo sabe, mas é um cair no comum delicioso. Sempre é bom falar da alegria brasileira, da esperança brasileira, do sonho brasileiro. Sonho que não acaba, não esmorece, não se deixa abater por tanta sacanagem. A gente daqui é assunto pra mais de metro, para virar livro, para ser protagonista de romance e romance dos bons.

O povo do Brasil é a água que lava a roupa e olha que de tanto lavar um dia limpa.

Mulher de Sardas
Enviado por Mulher de Sardas em 05/08/2005
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