Cemitério de Elefante

São cinco e trinta da tarde. Penso que a noite não demora a chegar. Logo o breu me brindará seu olor de aventura e desconhecido. Os primeiro sentimentos à boca da noite são de expectativas: o que vai acontecer? Quem me ligará? Onde os meus passos vão querer parar no escuro? Com quem estarei daqui a cinco, seis horas... Ou menos. De fato, a vida, a estas horas, soa-me como uma planta a aguardar a chuva que inda não veio. Não importa. Eu espero a chuva vir.

Mas aí as horas começam a passar: uma, duas, enfim. E a noite começa a tomar forma, cheiro, cor e textura. Ainda sim o sentimento é de perspectivas tangíveis, probabilidades possíveis e distâncias mínimas. Estou a dois passos de uma aventura, de um acaso com o destino, de sair e encontrar um lugar onde eu me sinta bem, onde as pessoas sorriem sem menor esforço pra mim. Esqueço por vezes que devo sorrir de volta. Mas tudo bem, eu me sinto um estranho no ninho mesmo e, de alguma forma, de algum modo aqui dentro, lá no fundo eu sei que posso estar em mil lugares, com uma multidão de pessoas, com um zilhão coisas pra dizer pra alguém, qualquer pessoa... A esta altura a noite apenas começou. Ninguém quer parar pra ouvir ninguém. Todos estão preocupados consigo mesmos; presos em seus mundinhos minúsculos e grandiosos, a espera de alguém ou qualquer coisa. Eles também querem ser ouvidos.

Os segundos não perdoam ninguém. Eles tomam Red Bull e ficam antenados. Passam tão depressa só para provarem que estão ali. E os meus olhos? Eles percorrem, um por um, o tempo físico preso a meu pulso.

A noite já tem sua forma determinada: está escura e com uma chuvinha chata, mas lá em cima tem uma luazinha que teima em querer mostrar seu brilho. Às vezes dá uma puta vontade de tocar violão e ficar olhando pra ela. Lembro que não tenho violão. E se tenho, não sei cantar. E se canto, quero plateia. E se não há plateia, não tem graça fazer um show.

Prefiro então ficar em silêncio aguardando a plateia chegar. Enquanto isso, eu preparo a voz, exercito os dedos e estico as cordas. Afino-me, afinal os ouvintes são exigentes e merecem o meu melhor (mesmo que por vezes eles nem prestem atenção na canção, ou não atentem para o tempo gasto no ensaio. Às vezes a plateia não liga para a arte).

Daí chega as nove, dez, onze horas. As chances de convite para uma noite de descoberta e aventura começam a diminuir. Poucas pessoas podem me ligar a esta hora.

- Mas tem o João e tem a Maria. Eles sempre gostam de sair mais tarde.

As minhas fichas de apostas passam a ser direcionadas. O João me convidará. A Maria me fará companhia. Só preciso aguardar a ligação e o resto de noite será maravilhoso.

A noite agora é resto. Migalhas de possibilidades. Desconhecido a ser desvendado em dois tempos: sem tempo pra preliminares, vamos logo aos finalmente.

Começo a desnudar romances e a duvidar de finais felizes:

- A noite vai ser boa e de tudo vai rolar, por que tenho dinheiro e estou disposto. Não importa a música, importa o querer dançar.

Eu quero.

Meia Noite. João não ligou. Mas tenho quase certeza que Maria inda vai me ligar de um lugar barulhento, onde o cheiro da diversão entranha a roupa e as pessoas brindam à noite e à disposição ao novo. Eu vou encontra-la lá. Vou pegar um taxi e chegar bem depois de todos, mas vou.

Mas já é uma da madruga. O sono começa espancar-me a face em pancadas dóceis, macias e convidativas. Em alguns momentos chego mesmo a pensar em dormir de vez e acordar para um novo dia...

– Como será?

Não. Preciso ficar acordado. Alguém inda vai me ligar. Lembrei agora que sempre há alguém que me manda mensagens durante a madrugada. Alguém me mandará algum SMS. Responderei. Bateremos papo e combinaremos uma saída rápida aos quarenta e cinco do segundo tempo. Amanheceremos juntos em frente da cidade. Veremos a noite ir embora e sentiremos juntos os primeiros raios do sol. A companhia poderá não ser das melhores, mas pelo menos não estarei só.

Duas. Três. Quatro horas... Não espero mais ligações ou SMS. Não tenho sono e nem espero acasos. Vou ficar acordado só para esperar o sono me espancar com violência e me forçar a dormir. Se ele não vem, zapeio a TV ou vou até janela olhar a rua e ver os primeiros transeuntes. Posso tentar um livro que nunca li. Não, melhor não. Se não o li até agora, não será em algumas horas que o lerei.

Espero o primeiro despertar em casa. Posso fazer o café ou comprar o pão. Posso ainda ser útil pelo amanhecer.

Não.

Estou desgastado pelo sono, cansado pela espera, desiludido pelo acaso. Meu sorriso amarelou-se. As probabilidades são mínimas ou inexistentes. Não creio nelas. Algo inda teima me puxar para o novo dia, mas não tenho forças. Estou exausto. Vou esperar, observar e resistir por mais algumas horas ou minutos (eles agora passam bem mais lentos). Os fatos soarão reprises de programas que já vi, já ouvi e já sei como terminam. Já não pertenço mais a este dia. A noite passou e o sono me venceu. Bons sonhos.

((EU))
Enviado por ((EU)) em 28/12/2012
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