O PROTESTO

Hermengardo, de camisa aberta, pra pegar um ventinho, pedalava à toda o seu camelo. Não via a hora de chegar no seu quartinho, na Vila do Fuxico, e tomar um belo de um banho.

O estômago roncava pela vigésima vez. Pensa que é brincadeira? Auxiliar de ajudante de pedreiro trabalha que só um burro... E com esse novo encarregado, então!

Iria chegar em casa, tomar o banho, jantar e ouvir televisão até adormecer. Sim, ouvir a televisão do vizinho de quarto que ele ainda não tinha comprado a sua.

Mas, quando chegou, Fedentinância, sua companheira, com vivia maritalmente, dispara de chofre:

- Não tem água, nem pra remédio!

- O quê? De novo??... Como que pode?... Tanta água nesse Rio Amazonas...

Fedentinância ja se acostumara a essas agruras:

- Mas, o boião tá pronto, né?... Tô cuma broca, quase morrendo!

- Então tu vai morrer!... Agora que consegui um balde d'água... Ou eu faço comida ou tomo um banho. Você decide.

Melhor ela tomar um banho. A morte, com fome, seria menos dolorosa. E ele muito fulo, por ter que tomar essa decisão:

- Isso é muita sacanagem... Será que não vai acabar nunca?

Pinganimim, do quarto seis, cachacista inveterado, separado da mulher pelas mesmas situações anteriores, chegou jogando álcool no assunto:

- Tem que protestar!... Tem que fazer motim, passeata, carreata... Só assim eles ouve o povo!

- O problema é que o povo não tem coragem de ir pra ruas! - provocou a sábia e fedida fedetinância.

- Então vamos fazer um protesto. - instigou Ermengardo - Pinganimim, chama o pessoal da vila!... Vamos fazer uma reunião agorinha!

- Vou aproveitar e comprar umas ampolas de tatu... Só pra incrementar! - saiu Pinganimim.

Meia hora depois, confusão formada. Gente só de toalha. Algumas rasgadas. A Vila tota estava ali. Até o frescobaldo, de fala macia, que todos diziam que vivia de "rendas". Aplicava no fundão. Ele era o mais agitado:

- Gente, gentinha e gentalha da Vila do Fuxico... Temos que fazer algo bem original, pra aparecer na tv... Em rede nacional, senão não dá certo!

Alguém questionou:

- O que você sugere?

- Vamos sair todo mundo pelado!... Menos as mulheres... As mulheres vão de calcinha e sutiã... Os homens tudo pelados!

Hermemgardo discordou:

- Tá doido!... A gente vai é ser preso pro atentado ao pudor!

Fedentinância, melhor, depois do banho:

- Que tal a gente ir batendo panelas, pra chamar a atenção?

- É mesmo, quem sabe a gente aparece no Jornal Racional! - sonhou Tiburcio, da massadeira de açaí.

- Só tem um problema, as minhas panelas tão lá em casa, tudinho cheias d'água.- arguiu dona Prevenilda.

Frescobaldo insistia:

- Bater panela... A minha ideia é mais original.

Hermengardo, de estalo:

- Já sei!... Vamo todo mundo de toalha enrolada no corpo!... As mulheres batendo panela, balde, o que for... E os homens segurando um pau...

Frescobaldo quase deu pinta:

- Apoiado!

E as palavras de ordem.

- Que tal: Água na torneira, a gente não gosta de sujeira? - sugeriu um.

- Não!... Ouçam essa: Água ardente, água ardente... A falta d'água não é culpa da gente! - quase implora Pinganimim.

Hermengardo ta cou a sua:

- Ouçam essa: O Amazonas taí... Liga ele praqui!... Essa é ótima!

Foram interrompidos com a notícia de que acabara de chegar a água. Sairam todos correndo em direção ao único banheiro da vila, para se dar bem na fila.

Fila enorme. Um minuto para cada um. frescobaldo queria dois.

- A gente bem que podia fazer um protesto contra o dono da vila, pra ele colocar pelo menos mais dois banheiros - destacou Hermengardo.

- Tu é doido, é?... O cara é deputado... E fala baixo que o Frescobaldo é o cozinheiro dele!

Ele, Frecobaldo quase ouve:

- O que é, heim?

- Nada, nada... Você acabou de ganhar os seus dois minutos para o banho...

- Oba!... Se alguém quiser, eu divido meu tempo... Tô falando de homem!

Fingiram que nem ouviram.

Joni Bigoo
Enviado por Joni Bigoo em 04/01/2013
Código do texto: T4067562
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.