ESPERANÇAS RENOVADAS

Não que eu seja pessimista; embora isso não seja crime, pecado ou defeito. Há razões para isso, sabemos todos. Além disso, acho que ser pessimista (ou pragmático, realista, etc.) é ser racional sem perder a ternura; é tirar os óculos de lentes cor de rosa e usar telescópio e ver que de perto...bem, de perto se vê melhor e se enxerga pequenas coisas escondidas; que não se vê a distância.

Pessimista, pra muita gente, é o sujeito chato, azarento. “Xô sai pra lá! Vamos empurrar com a barriga, jogar pra baixo do tapete, cobrir o sol com uma peneira e tocar a vida.” É o que eu escuto e leio, sobretudo nas mensagens de fim de ano, que chegam de empresas, parentes e amigos. Respeito a todos e o direito que têm de seguir um costume universal dessa época embora não leve a sério a maioria deles, pois sou cartesiano de mais – dizem alguns queridos amigos – para me comover com esperanças renovadas. Não pretendo ofender ninguém, nem mudar nada, nem alterar a ordem estabelecida.

Em geral, são de dois tipos as mensagens de fim de ano; A e B: as que contêm desejos – acho que sinceros – de dias melhores para a humanidade dependendo das atitudes de cada um de nós. Outro tipo de mensagem são as que contêm um forte apelo religioso, que também acho que sejam sinceros, na esperança de que entidades superiores aos humanos interfiram em nossas atitudes, assumam responsabilidades por nossos atos e nos recompensem com prosperidade, saúde e paz porque merecemos em retribuição a nossa dedicação, fervorosa fé, temor e amor incondicional.

A mensagem tipo A, é desprovida de qualquer possibilidade de realização. A humanidade não é nada agradável. Digo isso sem nenhum medo mórbido ou patológico dos seres humanos, o que seria uma tolice e não uma fobia. A humanidade trata de utopias como paz,amor,esperança enquanto fabrica armas e vai à guerra movida por sentimentos de conquista,poder,riquezas,terras e dominação. Não é um paradoxo desejar a paz e fazer a guerra. É apena uma condição humana. É qualidade, índole.

Desde que se tem registro, a Guerra de Tróia, em 1250 a.C. a primeira, até as que ainda a pouco não terminaram e certamente ainda continuarão, passam de milhares o número de conflitos. Outros estão para vir, sabemos todos, e continuamos a desejar e almejar paz. Como também se sabe, não basta ser honesto, mas, é sim, necessário parecer ser honesto.

Há um paradoxo que mostra que se pudéssemos andar pelo tempo e no espaço fazê-lo retroceder – ou adiantar – um homem poderia, com uma pistola, atirar em si mesmo, morrer e numa fração de segundo retornar ao presente; portanto antes de ser atingido mortalmente pela bala da pistola e não morrer. É um paradoxo.

Como um homem, sendo condenado por vários crimes, um suplente de deputado pode tomar posse, assumir o cargo – sem ser eleito – legislar e fazer sua lei aprovada ser cumprida pelos ministros juízes que o condenaram? É um paradoxo.

Como um ser supremo, criador de todas as coisas, sem princípio e nem fim; onipresente, oniciente, onipotente – e, me parece, prepotente – misericordioso e protetor de seus filhos como deve ser um pai; capaz de influenciar e interferir nos dias de nossas vidas permite a dor horrorosa de pais de 20 crianças assassinadas; pais como ele que dizem ser de toda a humanidade?

Epicuro, filosofo grego morto em 270 a.C.,negava a ideia da não existência de nenhum deus. Achava que os deuses não se preocupavam com os humanos; achava até que os deuses nem sabiam da nossa existência e por isso não tinham nenhuma afeição por nós.Assim Epicuro concluiu que o mal, a presença do sofrimento na terra não era preocupação dos deuses. Que não poderia haver deuses que fossem ao mesmo tempo oniscientes, onipotentes e onibenevolentes. Esse paradoxo proposto por Epicuro, se duas dessas características forem verdadeiras, uma outra estará logicamente excluída; se for ilógico que uma dessas características seja verdadeira, então não poderá existir um deus com essas três características. Portanto se deus é onisciente e onibenevolente, conhece o mal e pode acabar com ele; se não o faz, não é onibenevolente. Se for onipotente e onibenevolente pode acabar com o mal, quer acabar com o mal, pois ele deus, é bom.Mas não faz isso porque não sabe o quanto de mal existe e nem onde ele está, sendo assim, deus não é onisciente. Se onisciente e onibenevolente, deus sabe da existência de todo o mal e quer acabar com ele; mas não o faz sendo capaz. Então deus não é onipotente.

O paradoxo de Epicuro e o livro Utopia de Thomas More escrito mais de mil anos depois das conclusões do epicurismo são como água e óleo; não se misturam, são antagônicos. Entretanto são partes constantes do pensamento e das atitudes dos seres humanos; cogitar, concluir, duvidar, acreditar.

“As religiões, na Utopia, - escreveu Thomas More sobre sua ilha imaginária - variam não unicamente de uma província para outra, mas ainda dentro dos

muros de cada cidade; estes adoram o sol, aqueles divinizam a lua ou outro qualquer planeta. Alguns

veneram como Deus supremo um homem cuja glória e virtude brilharam outrora de um vivo brilho.

Não obstante, a maior parte dos habitantes, que é também a mais sábia, repele estas idolatrias e

reconhece um Deus único, eterno, imenso, desconhecido, inexplicável, acima das percepções do espírito

humano, enchendo o mundo inteiro com sua onipotência e não com sua vastidão corpórea. Este Deus é

chamado Pai; é a ele que atribuem as origens, o crescimento, o progresso, as revoluções e o fim de todas

as coisas. É a ele unicamente que rendem homenagens divinas.

De resto, apesar da diversidade de suas crenças, todos os utopianos concordam numa coisa: que existe

um ser supremo, ao mesmo tempo Criador e Providência. Este ser é designado, na língua do país, sob o

nome comum de Mitra. A dissidência consiste em que Mitra não é o mesmo para todos. Mas qualquer

que seja a forma pela qual cada um represente seu Deus, cada um adora, sob esta forma, a natureza

majestosa e potente, a quem somente pertence o soberano império de todas as coisas, por consentimento

geral dos povos. Esta variedade de superstições tende, dia a dia, a desaparecer e a converter-se numa única religião, a

qual parece muito mais razoável.”

Nem Epicuro nem Thomas More foram ateus, acreditavam em deuses fazendo o que bem entendessem com os seres humanos porque não tinham sentimentos humanos; nem os deuses de Epicuro nem o Deus de Thomas More. Que termina seu livro com uma definitiva frase: “Aspiro, mais do que espero.” Resumo perfeito de todas as mensagens de Boas Festas que recebo todos os anos.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 05/01/2013
Reeditado em 17/01/2013
Código do texto: T4068869
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