Aconteceu em Lisboa

Lisboa, Cais do Sodré.

O comboio das 17:58 horas, o dia não importa, destino Cascais.

Vi uma cena que me deixou por toda a viagem imaginando e analisando um assunto muito falado, por todos os poetas, sociólogos, químicos, donas de casa, operários, informáticos, enfim, um assunto que é de todos, pois todos o conhecem ou conhecerão um dia:

O amor.

Sim, esse sentimento que gosta de pregar peças, chegar quando menos se espera ou quando parece impossível que se manifeste.

Vou logo descrevendo o que vi e dividindo com quem lê minhas tímidas conclusões, eu que também sou vítima dele, o amor, espero sempre estar à sua mercê, independentemente de idade, de saúde ou estado civil.

Pois a cena assim se deu:

Uma jovem senhora, dos seus quase setenta talvez, cabelos feito plumas e alvas feito a neve, elegante, uma revista na mão, o guarda-chuva inseparável nessa terra, enfim, uma jovem senhora, linda, daquelas que a gente olha e fica imaginando como ela foi há muitas décadas atrás. A partida estava próxima, os lugares para se sentar escasseando-se e ela veio passando, passos curtos, mas elegantes, passou por mim, que estava mais ou menos no meio do vagão e chegou ao final sem conseguir encontrar onde se sentar. Parecia adivinhar que ali próximo encontraria alguém especial, um verdadeiro cavalheiro, que estava bem acomodado, mas não resistiu ao ver uma jovem charmosa que acabaria viajando em pé, uma afronta às boas maneiras dos homens! Pelo menos dos jovens velhos como ele, prontamente se levantou e ofereceu-lhe o lugar com um largo sorriso, ela recusou de primeira, ele insistiu muito amavelmente e aí ela se rendeu e aceitou com um belo sorriso em agradecimento.

Eu do meu lugar comecei a imaginar aquela cena e a transportá-la para aquelas tais dezenas de anos atrás, onde os dois seriam esbeltos, esguios, cheios de saúde e com o coração fecundado pelo amor. Daí parei e me perguntei:

Com que direito estou alijando esse casal tão bonito de pensarem no amor?

Porque ele não poderia estar ali em pé, tentando ser notado por ela, sonhando com um olhar que lhe desse alguma chance de iniciar uma conversa e assim derreter aquele gelo inicial?

E foi isso que eu percebi. Ele permaneceu ali, surgiu até lugar para ele se sentar, mas o adolescente de cabelos brancos, roupa bem posta, sapatos brilhando, camisa de gola firme, não arredava pé de estar ao pé da sua amada.

Ela iniciou uma leitura, talvez para se distrair e não dar motivos para um início de conversa, as mãos tremiam um pouco, mas a leitura seguia sem interrupções, ele ali ao lado, fitando seus cabelos, tinha um olhar diferente, eu percebi, ela percebeu, talvez mais ninguém no vagão percebesse, mas eu estava vendo aquela cena e admirando, torcendo por ele, por eles, quem sabe ela é viúva? E ele? Também ou se não forem, o que os impedem de sentir alguma atração?

O estado civil ou a idade?

Seguiu-se a viagem por mais uns vinte minutos, chegaram a estação de Oeiras e ela se preparou para descer.

Ele se mexeu um pouco, parecia criar coragem para a investida, ela tentou não olhar para ele, que parecia apaixonado...

O que se passou naquela cabecinha branca? E ela? O que será que pensou? Sentiu-se ao perceber que foi notada ou apenas se fechou na sua condição de viuvez ou da idade, quem sabe?

Resultado, ela desceu em Oeiras, ele a seguiu com os olhos pela plataforma, eu segui os dois com um sorriso de felicidade e a certeza de que a idade não é nada, quando se é vítima do amor.

José Benício
Enviado por José Benício em 09/01/2013
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