A morte dos Oliveira

Os Oliveiras eram os vizinhos mais do que desejáveis. Não faziam barulho, não arrastavam móveis nas faxinas, não puxavam conversa no elevador. Perfeitos. De quando em vez até varriam a vaga de sua vizinha na garagem, e foi lá que tudo começou.

Morena odiava os Oliveira. Para que tanta bondade? Era tudo aquilo uma mentira, eram mentirosos, só poderiam ser uma farsa. Como alguém poderia não fazer barulho quando começava a faxina? Aposto que não fazem faxina coisa nenhuma!, dizia indignada. E no elevador então? Morena sempre ficava sem jeito, sem saber o que dizer, como começar uma conversa e acabava sempre dizendo, ela mesma, aquelas velhas frases patéticas, Que calor, não?, pobrezinha. Os Oliveira nunca diziam nada e pareciam completamente confortáveis com aquilo.

De volta à garagem, Morena odiava encontrar sua garagem limpa. Chegava do trabalho as dezenove horas, já cheia de tudo e sonhando apenas com o banho. Como se não bastasse, encontrava a garagem limpa, varridinha, impecável. Porque é que eles fazem isso? Ela não sabia, ninguém sabia, mas ninguém sabia porque eles só faziam aquilo com a garagem de Morena. Todas as outras permaneciam imundas. Por que é que eles fazem isso, meu deus?

Um dia ela decidiu voltar mais cedo e pegar algum dos Oliveira em flagrante. Por quê? Em flagrante de quê? Sei lá, diria. O que importava era pegá-los em flagrante e…e não se sabe, improvisaria talvez.

Quinta-feira foi o dia escolhido, dezoito horas e vinte minutos e os faróis do carro apagados. Mal contornou o pilar e encontrou a senhora Oliveira varrendo sua vaga. Morena ficou sem reação e freou o carro repentinamente pelo reflexo. A senhora Oliveira, por outro lado, permaneceu calma e enquanto Morena de olhos esbugalhados pensava no que fazer, ela terminou o montinho de poeira e óleo velho, encostou a vassoura e apontou a vaga para que Morena entrasse.

Como se tivesse sido ordenada, ela estacionou. Por que a senhora faz isso todos os dias?, Boa noite, Morena, varri sua garagem, espero não ter problema, Não há, mas por que a senhora faz isso, eu não entendo, Nem eu, minha jovem, talvez me faça bem, Como trabalhar para alguém assim pode fazer bem a alguém, Como eu não sei, boa noite, Espere!, Pois diga menina, Como é que não fazem barulho quando arrastam os móveis para a faxina?, Ora, Morena, se não nos ouve arrastar os móveis para a faxina, como é que sabe que faxinamos?

Morena ficou verde de vergonha e raiva enquanto a senhora Oliveira dirigia-se calmamente até o elevador. Ficava relembrando essas últimas palavras em sua mente “como é que sabe que faxinamos”. Morena era boa, queria ser boa, mas não suportava gente melhor, não suportava! Talvez nem fosse boa, mas se adjetivava como tal e ai de alguém que dissesse não, chorava. A partir daquele dia ela nunca se esqueceu daquelas palavras “como é que sabe que faxinamos”, nunca mais se esqueceria delas. Estúpidos, dizia à si mesma quando os via entrar no elevador que agora evitava utilizar sem companhia. Queria que todos os Oliveiras morressem, todos.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 13/01/2013
Reeditado em 13/01/2013
Código do texto: T4082763
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.