Chove na noite
Chove e a noite é fria. Os paralelepípedos divertem-se derrubando um e outro. As luzes dos postes piscam fracas, amarelas as velhas e alaranjadas as jovens, rodadas por luvas macias e músculos cansados. Umas poucas casas têm uma luz ou outra acesas, umas crianças dormindo, uns adultos perdidos pelo sono e atormentados pelos minutos meninos da segunda-feira. Mas a chuva, gelada e cristalina, se esborracha no chão e nem os paralelepípedos, nem as luzes jovens ou as idosas, nem as casas e suas crianças e seus adultos, perguntam-lhe se jaz dolorida. Se perguntassem ela responderia "é uma queda de morte", mas não a perguntam, não querem saber. Chove e a noite é fria nas espinhas. Só ela ouve o lamento das gotas irmãs, em famílias de nuvens, chorando seus queridos despregados e aventureiros. Só a noite ouve os gritos de dor destes quase morrendo de encontro ao nosso mundo asfáltico e sujo. Só, a noite, fecha os olhos e segura a escuridão mais um momento. A chuva, machucada em gotas, perde-se triste com suas vizinhas nas trilhas de sarjeta e escorre cega em direção ao vazio...nosso vazio.