Vida nova

“Ano novo, vida nova!” Frase comum nesta época do ano. Hoje, mesmo, enquanto aguardava atendimento na fila de uma agência bancária, não pude me furtar ao diálogo de dois professores. Eles iniciaram a conversa depois de gigantescas felicitações, um para o outro, de ano novo. Em seguida, como eu não era atendido com a eficiência temporal de que gostaria, atentei que eles falavam de situações (boas ou nem tanto) por que passam em suas profissões.

Ouvi bem quando um dos professores (provavelmente de Filosofia) falou, mesmo em tom informal, mas com bastante autoridade:

“Ano novo, sim, mas vida nova é para poucos. Quem já parou para pensar que, em todo momento, estamos renovando? A cada instante, materializado ou não por estalos filosófico-literários, o indivíduo não é mais o mesmo. Quem já parou para pensar que fingimos o tempo todo? Não falo do fingimento carregado de maldade e de intenção de ludibriar os outros, falo do dinamismo que é o nosso acontecimento como ser humano. Vida é movimento. Quando falamos algo do que vamos discordar dentro três dias, não estamos mentindo, estamos executando o fingimento que é inerente ao indivíduo constitutivamente de palavras, pois não se sabe quando deixará de concordar consigo mesmo, mas precisa da consciência de que isso ocorrerá. As palavras surgem e desaparecem tão rapidamente que às vezes nem conseguimos verificar o que ficou delas. Algo é certo: fica a vida. Fazer uma vida nova significa, inclusive, perceber que a novidade está a todo instante nos ocorrendo, mas que precisamos ter olhos novos.”

Uma sonora campainha soou, anunciando a que caixa da agência eu deveria me dirigir. Apressei-me. Que bom se soubéssemos que para ter vida nova, precisamos também ter novos ouvidos.