Panorama Matinal (09/03/07)

O sol não houvera batido naquele verde flamejante.

Ainda restava um pouco de penumbra e um punhado de estrelas.

Um céu coral e rosa apontava por trás das nuvens acima do mar.

Seus olhos buscavam o horizonte em evidência...

Lá, longe, um frágil piscar revelava a silhueta de um cargueiro.

A cidade aos poucos despontava para o caos da naturalidade.

Em cima das lages, as blusas viravam máscaras de meninos que brincavam de ninjas e vigiavam os policiais que, lá em baixo, permaneciam sob a dualidade do giroflex.

Só a cozinha era quente... Era o vapor da água do café.

As manhãs são sempre frías, mesmo quando é quente.

A TV ligada revalava notícias que ninguém vê no decorrer do dia.

Ela caminha da janela da sala, desviando-se da mesinha de centro e do mensageiro dos ventos, até a cozinha.

A água ferve. Ele joga o café, o açúcar, e mexe...

Despeja no coador, em cima de uma garrafa térmica azul, o café que preenche o saco de pano que mesmo seco tem perfume de café.

Quanto mais melhor!

Ele volta até a janela, só uma estrela resiste.

Seus olhos se agradam daquela bola flamejante, o astro rei.

"É bom olhar p'ro sol... Só o vejo quando nasce."

Enquanto o sol se ergue, lá no fundo, na cozinha, o gotejar do café serve-lhe de trilha sonora para cantarolar um velho samba.

A manhã nasce em velhas notícias com novos rostos. "Que pena...!"

Ele se senta na mesinha de madeira em um tamborete de costas para a Televisão, é como ouvir rádio.

A bolacha Maria ajuda a dar mais sabor ao café da manhã.

Ele levanta, vai até o banheiro e se olha no espelho.

"Estou velho, como a cidade. Mas ela fica e eu vou..."

Ele faz a espuma, molha o rosto e assobiando Cartola vai deslizando a navalha suavemente, como as notas, pelo rosto.

Escova os dentes embaixo do chuveiro para economizar água nos dias de hoje... Nos dias de hoje é preciso.

Abre a porta do velho armário de madeira ainda firme, tira, no cabide, o uniforme limpo, cheirando a naftalina.

Estende-o sobre a cama, aquece o ferro e passa-o.

Senta-se sobre a cama, tira debaixo o seu sapato, passa um pano molhado, calça a meia e o calça.

Veste a camisa ainda quentinha, põe a chave no bolso, olha para a foto da família; sua esposa "que D'us a tenha"; para os filhos que não mais ligaram nem apareceram com os netos.

Olha para a janela e vê o mundo, do alto da favela, e vê o que lhe espera.

E ele espera poder,depois de passar o resto do dia comprimentando os passageiros que transitam em seu elevador em um centro comercial importante do outro lado da cidade, voltar para casa para ver o sol nascer de novo.

Pois mesmo que seja tão repetitivo quanto a sua jornada de trabalho,

Ver o Rio, assim de longe, é a única coisa boa que lhe sobrou do Rio de ontem para se ver.

Luis Carlos Wolfgang
Enviado por Luis Carlos Wolfgang em 11/03/2007
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