Incompreendidos

Vida de quem escreve textos babacas, como eu, é dose. Sou atacado frequentemente por pessoas que me lêem. São fanáticos. Sentem o ego ferido. Levam a sério o que eu penso. Me chamam de invejoso, esquerdista, comunista, ateu, chato e velho. Eu agradeço os elogios. Na verdade sou um modesto anencéfalo. Minha opinião não vale pra nada. Todos anencéfalos possuem opiniões. Apenas os anencéfalos geniais as expõem. Quero levantar minha bandeira de paz.

Tenho alguns alvos preferidos. Nada de muito importante. Fiéis de religiões homofóbicas, sexistas e racistas querem meu fim. Discutem comigo ferozmente. Eles são os mais perversos. Defendem sua religião com fervor. Acreditam piamente que o pároco é a salvação e que a camisinha não vale pra nada. Defendem o sexo apenas pra reprodução e que o casamento gay não é aceito por Deus, que só ama os heterossexuais. Acreditam que o confessionário é a redenção dos pecados. No fim, eles assumem não concordar com os ditames da igreja, mas o páreo nunca se encerra. Os religiosos são teimosos. Eles me chamam de ateu.

Os adeptos de partidos políticos que são contra as cotas em universidades, o bolsa família, as habitações populares e a redução da pobreza extrema me rebatem. Eles defenderam a ditadura há poucos anos atrás. Querem mais oportunidade aos filhos brancos que estudam em escolas particulares e se preparam melhor para o vestibular. São adeptos da meritocracia. De um lado os negros, pobres e homossexuais. Do outro os brancos, ricos e héteros, num ignorante apartheid de vidas. Querem de volta figuras ilustres como Antônio Brito e Yeda Crusius, manter Fernando Color de Melo e Sarney no poder e impulsionar a carreira sôfrega de José Serra. Esses me chamam de comunista. Sugerem doar meus bens aos pobres e ir morar em Cuba.

Os militares, que mamam nas tetas do governo, querem guerra contra minha pessoa. Clamo por paz. Estou desarmado. Estes defendem que o exército ensina os jovens a terem responsabilidade e a serem honestos. Conversa fiada! Conheço assassinos que serviram a pátria, e as pessoas que mais admiro não serviram ao quartel. Esses me chamam de esquerdista.

Rebato os fanáticos fãs do Neymar, Michel Teló, Crepúsculo, 50 tons de cinza, Paulo Coelho, novela das oito e Big Brother Brasil. Acho-os de uma superficialidade sem tamanho. Fazem sucesso e ganham milhões. Eu escrevo e não ganho um real. Sou mais a Bossa Nova e a MPB. Edgar Morin e Garcia Marques. Cinema Francês. Esses me chamam de velho invejoso.

– Tu não entende a vibe tiozão. – Fico estarrecido.

Sorte a minha que tem alguns anencéfalos comigo. Somos uma legião de poucos. Na província cruzaltense têm a Maria Luiza Diello. Ela escreve como ninguém. Tem o olhar aguçado. Certa feita me presenteou com Manoel de Barros. É meu livro de cabeceira. Ela é psicóloga com mestrado em filosofia. Estuda Foucault. Só ela me ligaria à meia noite e declamaria uma poesia escrita a partir de um texto meu. Pensamos parecido. Queremos o fim dos podres poderes, como diria Caetano Veloso. Se os jovens nos vissem exclamariam: estão na mesma vibe! Ou diriam: são dois velhos idiotas. Acho que somos um pouco de tudo. Nunca nos tirarão a poesia. Assim espero.