METAMORFOSE

Existem instantes em nossas vidas em que estranhamente nos sentimos plenos e saciados de todas os nossos apetites humanos. São momentos raros, atemporiais e fugazes. Talvez sejam esses estados de graça que justifiquem a vida, muito embora saibamos que a sede de conquistas nos acompanhe permanentemente, salvo obviamente, nesses intervalos especiais a que estamos nos referindo.

Queremos refletir exatamente sobre a qualidade de nossos sentimentos revelados justamente nesses raros momentos, onde a poesia e a filosofia confraternizam-se num ritual de saudação à vida.

Bem sabemos que a reverência ao estado de luz só é manifestada após a experimentação dos efeitos da escuridão. A paz somente é amada e desejada quando o espírito, de alguma forma, tateou o pavor da guerra e do conflito, rechaçando o sofrimento pela disposição de luta em favor da conquista de uma dimensão existencial de harmonia e equilíbrio. Ocorre, às vezes, que esse equilíbrio dista do alcance prático, da realidade verossímil de nossas conquistas. Eis que nesse momento, o engenho humano lança mãos da centelha criativa que o caracteriza, vindo a aparelhar-se de lentes especiais através das quais virtualiza ele um contexto adequado e suportável aos limites da tolerância de sua lucidez. Lança mãos de tintas mágicas que colorem a natureza observada, passando a reconhecer-se por meio delas. Assim, o ser humano compensa sua infeliz condição de pensante, e de todas as suas funestas consequências advindas do reconhecimento das inúmeras escolhas que lhes são apresentadas e que estão a exigir dele sempre a melhor opção a ser feita, com a invenção e a apropriação da ARTE.

Pois bem, a arte é uma invenção genuinamente humana!

Também pode ela ser entendida e reconhecida através de uma obra construída a partir de matérias-primas como a desilusão, o ódio, o rancor, a frustração, a solidão, a desesperança, a impotência e o desespero, desde que a alma do artista permaneça intacta. Isso é sine-qua-nom já que se constitui no instrumento da alquimia necessária à metamorfose capitaneada pela filosofia e temperada pela poesia, em cuja sintonia residirá o valor final da arte criada.

Do nada é possível extrair-se o sentido que falta para o colorido daquela cena desbotada.

Do lodo é possível recompormos o caráter translúcido da matéria observada.

Mas afinal, por que são tão raras metamorfoses perfeitas? Assiste-se a criações várias, aos milhões a todo momento, mas por que a excelência quase sempre não está presente?

A resposta está na qualidade e no talento do artista.

Hoje quero saudar e homenagear aquele momento especial de inspiração no qual o artista foi exímio e criou, com perfeição, alimentos nobres que saciariam a fome de seus apetites - pelo menos por um espaço de tempo suficiente para perceber o frescor e as compensações do paraíso - cuja origem está associada ao termo sânscrito, paradesha, que significa "país supremo".

Somos todos alquimistas servindo-se da arte para compensar a dor de nossas existências. Somos todos artistas que sonham com a perfeição de nossos estados, cuja riqueza esperada eternamente tem sido o estágio de graça e contentamento que nos faz bastar. A dedicação, o esmero ao seu oficio e a mestria com que manipula suas matérias-primas denunciam o nível de perfeição em suas criações.

Existem artistas e Artistas, metamorfoses e Metamorfoses, borboletas e Borboletas...

Saúdo, pois, o estado de arte da criação DESTE artista, que teve muita sorte ou inspiração na materialização de seu momento de Nirvana - fantástica metamorfose do provável desalento em incontestável sensação de graça.

MARCO ANTONIO BREGONCI
Enviado por MARCO ANTONIO BREGONCI em 20/01/2013
Reeditado em 22/01/2013
Código do texto: T4094175
Classificação de conteúdo: seguro