Nome de prédio

Perguntei-lhe pelo sabor do café e, durante a resposta, ele intercalou:

- É a última vez...

- Como última vez?

-Eu sei que é...

Procurei dissuadir meu interlocutor amigo de que aquela fosse a última vez; na verdade, eu o entendera muito bem, e torci para que o futuro desmentisse o trágico daquela declaração.Eu queria mesmo era acreditar que aquela seria apenas uma de muitas visitas que ainda viriam no decorrer de semanas e anos.

Do terraço de minha casa, eu o tinha visto caminhando tropegamente, subindo o morro que o conduziria ao café daquela tarde; ainda tivera de vencer uma pequena escada, até os cumprimentos e o início da conversa. Conversa já meio desconexa! Afinal, já havia ali um pouco de senilidade, que o impedia de conectar bem os fatos, mas que não o isentava de premonições.

Olhei aquele homem, que comigo convivera durante décadas, e via somente os rescaldos de uma vida apenas vivida, sem planejamentos, sem futuro, uma vida que se comprazia em trabalhar informalmente, e gastar todo o pouco que recebia, e beber, e fumar, e amar a mulher exigente, que volta e meia se antecipava a ele e vinha buscar a féria do dia trabalhado.

Nos tempos em que esbanjava saúde, tinha sido pintor de paredes; pelo meu bairro, pela região e por outras cidades, preparou tintas e deu braçadas, colorindo com a força de seus músculos paredes e paredes, com tintas bem preparadas e broxa certeira, que não deixava manchas. Um primor! Agora, o via fragilizado, tomando o café, rindo com poucos dentes e entrecortando a conversa com reminiscências de um tempo cravado, que certamente fora bom.

Seu corpo frágil e baixo contrastava com os cabelos lisos e pretos, a desmentir os quase setenta anos, que se acumulavam. Ali, enquanto papeávamos amenidades, inevitável era lembrá-lo em ação na minha casa ou na de alguns parentes conhecidos. Nos primórdios, quando lhe sobrava juventude, levava o suado dinheirinho diário ou semanal e lá ia para suas diversões. Com o passar do tempo, foi se achegando, ficando da família; então, recebia e satisfazia o vício, voltando depois muito bêbado, trazendo o inevitável incômodo que os bêbados sempre trazem. Recebíamos o funcionário com os possíveis agrados, e depois eu o colocava no automóvel e o conduzia aos zelos da mulher. Agora, o via ali, doente, triste, saudoso, despedindo-se, sem se despedir.

Após a visita, peguei o carro e fomos em direção à sua casa. No caminho, jocosamente, eu lhe apontava alguns bares e dizia-lhe que era endereço proibido, ao que ele sorria com certa amargura.

Antes de ele internar-se, ainda lhe fiz algumas visitas. Certo dia, a mulher me procurou comunicando que Fernandes se fora. Garanti-lhe o funeral, simples como ele o fora.

Alguns anos depois, passando por um dos bairros da cidade, vi um pequeno prédio estampando ,em bela placa de bronze, o nome edifício Fernandes Gomes. Seria um homônimo do meu amigo? Procurei o proprietário. Para minha felicidade, falávamos da mesma pessoa...