O CADÁVER

-Querida me ajuda a arrumá as criança,tá na hora e cê sabe como é posto público.

-Home,fique peixe,num vai se alterar ,tu não tá bem.

-Tá bom,mas pára de falá nessa linguage,nóis né mais adolescente não.

Eram três horas da madrugada,as crianças não iriam à escola naquele dia.Alfredo,de seis anos estava começando a desvendar o mundo das palavras.Vivia lendo,à maneira dele,tudo o que via.Às vezes até chateava a mãe por causa disso.Esse menino não para de ler.Será que ele vai ser doutô?Ele muito mirrado devido à falta de uma alimentação adequada.Tinha como sonho de consumo uma mistura de farinha seca,água e açúcar,colocados numa vasilha.Lamentava faltar à aula,pois no dia da consulta do pai,seria cachorro-quente com suco de cupuaçu.A roupa que tinha para sair já estava desgastada e alguns furinhos visíveis destacavam-se.O chinelo quase quebrado deveria durar até o fim do mês.O pai, a muito custo, planejara comprar um novo.Ficou sentado no sofá improvisado,tomando um chá de capim-santo e mastigando um pedaço de pão que a mãe torrara para ele.

Bradock,o mais velho, de dez anos,tinha terminado o banho,estava se enxugando.

-Rápido menino,seu pai tá tremendo de frio,vamo colaborá.

-Tá bom mãe,em dois minutos já me arrumo.

Bradock é um garoto determinado,o orgulho do pai.Alfredo via isso e tentava seguir firmemente os passos do irmão para chamar a atenção do pai.Os amigos de Bradock,cansados de tanto sofrimento iam se perdendo pouco a pouco.Não viam perspectivas de melhoras.Ele ao pressentir alguma ação errada dos amigos se fastava antes que ela acontecesse.Queria ser médico e esse desejo era percebido pelo interesse à anatomia humana.Lia tudo relacionada a esse assunto.Estava dois anos adiantados,fazia o sétimo ano do ensino fundamental.Era o menor da turma e se entediava com o fraco ensino de sua escola.A escola não tinha culpa,a professora não tinha culpa,os colegas de sala não tinham culpa,a professora não podia nem exigir tanto deles.A culpa era do sistema.Tinha lido em algum livro ou nos muros da cidade.Não se lembrava bem ,mas compreendia.Não era resignado.Lutaria.Sabia disso.No tempo falado para a mãe já estava à espera junto do irmão.

Maria das Graças tinha vinte e oito anos,mas parecia passar dos quarenta.A vida nunca foi fácil para ela.Fugiu de casa aos doze anos.Não suportava mais apanhar do padrasto e nem das investidas que ele sempre fazia.A rua,doce rua,tornou-se seu lar.Nela não se prostituiu,trabalhou duro,fazendo todo serviço que aparecia.Uma senhora,apiedou-se dela e a levou para tê-la como filha.Aos dezoito anos casou-se,ou melhor,foi morar com o José Antônio.Sustentar uma família uma família não é tarefa fácil,mas os dois,aos trancos e barrancos conseguiam ir levando.Luxo não tinham,tinham um ao outro para o que der e vier.

O marido já estava à porta,esperando os três.

José Antônio,mais conhecido como Ceará no bairro,encontrou rumo quando conheceu Maria das Graças,sua luz no fim do túnel.Se não fosse por ela,ele seria apenas ossos nesse momento.Trabalhava como vendedor ambulante e fazia serviços extras nos momentos de folga.De tudo sabia fazer um pouco.Se virava,afirmava que quem quer ter dinheiro trabalha.Não tinha estudos e quase fez uma loucura para satisfazer seus desejos de jovem.Mas eram águas passadas.Não se perdeu na vida.

-Vamos amô,não tô mais aguentando mais.É frio,é tontura,dor de cabeça,uma vontade de vomitar e essas manchas vermelhas no corpo.Será dengue?Todo ano é a mesma coisa.

A família saiu.Sabia que uma fila enorme a esperava no posto do município.Foram andando,não era tão perto,paravam aqui e acolá para que José Antônio descansasse.O medo nos olhos de cada um.A escuridão da madrugada não oferecia perigo.Às quatro horas chegaram ao local,pegaram a ficha de número quarenta e seis,a idade de José.A espera foi longa,às cinco e meia foi atendido.O médico de plantão afirmou que era apenas uma virose e para dar mais segurança a ele e ao paciente,requisitou uns exames,os quais foram feitos no próprio local.Lá havia um laboratório.Em algumas semanas o resultado chegaria,assim afirmara a enfermeira.

O retorno à casa dele foi mais difícil,quase desmaiou no meio do caminho.Em casa.foi direto para a cama.Todos entraram no quarto.O momento era de preocupação.Tomou o antipiréptico e analgésico oferecido no posto.Dormiu.A família velava o sono.Nesse dia nem sentiram fome.Os dias se passaram e ele não melhorava.Um desespero tomou conta de todos.Respirou pela última vez.O choro da família era inconsolável.No velório,os amigos e parentes estavam lá.Nesse momento chega um funcionário da saúde do município com um papel nas mãos.Constrangido,perguntou :

-Seu José Antônio se encontra?

Maria das Graças desmaiou.Choros incontidos...

LÉO VINCEY
Enviado por LÉO VINCEY em 24/01/2013
Código do texto: T4102521
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