Um dia em Amsterdam

Do aeroporto mesmo ela postou:

“Já estou em Amsterdam”.

Só isso.

Não mencionou o detalhe:

“...sem minha bagagem, que pegou o avião errado e está agora em Luanda, na África”.

Depois de enfrentar uma fila enorme

no guichê da companhia aérea

e fazer tudo que era preciso

(e mais alguma coisa)

para reaver suas malas,

pegou um táxi

até o hotel,

onde o gerente,

depois de muito procurar,

não encontrou sua reserva.

Com seu inglês medíocre,

demorou mais de uma hora para

descobrir

que seu hotel não era aquele,

mas um outro,

com nome quase igual,

que ficava

do outro lado

da cidade.

Entrou em outro táxi

(calculando a fortuna que pagaria pela corrida),

morta de fome

e com os nervos à flor da pele

– nem viu direito a beleza dos

canais e pontes,

a maravilha das construções antigas –,

mas tirou uma foto e postou:

“Amsterdam é linda!”,

e clicou no mapa:

“em Amsterdam”.

Meia hora depois

(e com 100 euros a menos na carteira),

atravessou a porta do hotel,

que ficava ao lado

do famoso Museu Van Gogh,

que ela pretendia visitar.

Tomou um banho fervendo,

pois não sabia regular a temperatura,

vestiu a mesma roupa suada da viagem (porque não tinha outra)

e ligou para a companhia aérea,

que lhe informou:

“Sua bagagem não está em Luanda, mas a caminho de Dubai, em um voo da KLM. Quando ela voltar para Amsterdam, entraremos em contato”.

Angustiada, desligou e postou:

“Hotel maravilhoso! De banho tomado, indo ao Museu Van Gogh”.

“Museu fechado para reformas”, dizia o aviso em holandês, inglês e alemão.

Mesmo assim, pediu a um turista espanhol que tirasse uma foto dela e postou:

“Na porta do Museu Van Gogh, em Amsterdam. Fantástico!”.

Faminta, foi procurar algo para comer.

Pediu uma porção de arenque com limão

e uma fatia de torta de maçã,

que comeu chorando de ódio,

sem nem sentir o gosto direito;

mas antes tirou uma foto dos pratos e postou:

“Lanchezinho básico em Amsterdam, antes de alugar uma bicicleta e passear pela cidade. Privilégio para poucos”.

Ao atravessar a rua, porém,

foi atropelada por uma bicicleta,

conduzida por uma alemã obesa,

que se esparramou toda no chão

gritando palavrões em pelo menos três línguas diferentes.

Na hora não sentiu nada,

mas depois de 15 minutos

seu joelho esquerdo virou

uma enorme batata quente,

inchado, vermelho,

uma coisa horrorosa.

Desabou num banco,

ao lado de uma bicicleta para alugar,

e pediu a um turista francês que tirasse uma foto dela

com a mão pousada na bicicleta.

Firmou a mão, que tremia, fingiu um sorriso e depois postou:

“Passeando feliz pelas ruas de Amsterdam”.

Mal acabou de postar, sentiu uma fisgada no ventre,

e depois algo líquido borbulhando dentro dela,

descendo,

descendo,

e a fisgada de novo...

“Não pode ser”, pensou.

Mas era.

Não deu nem para trancar a saída e procurar um banheiro.

A diarréia escorreu pelas suas pernas em abundância (uma verdadeira cachoeira),

exalando ao redor, intensamente

(como uma dama da noite toda florida),

um cheiro azedo

e insuportável

de arenque, maçã e canela.

Na cama do hospital,

com um tubo de soro ligado na veia,

focalizou seu rosto na tela do iPad

(de forma que não aparecesse nada ao redor),

fingiu um sorriso e postou:

“Depois de um dia maravilhoso em Amsterdam, estou agora indo dormir, no Best Western Apollo Museumhotel. Boa noite!”

Balanço do dia:

Bagagem extraviada,

assalto no táxi,

diarréia,

joelho bichado

e 389 curtidas no Facebook.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 24/01/2013
Código do texto: T4103237
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