Memória

Antes a memória fosse um computador, onde pudéssemos deletar tudo aquilo que nos desagrada, mas isso não acontece. Pelo o contrário: tudo que passamos em demasia de emoções fica encrustado na memória e nunca mais sai. Claro que vemos tudo por uma perspectiva diferente já que quando voltamos no tempo os dias são outros, a idade é outra e o humor é outro assim como a nossa evolução como seres humanos pensantes. Imaginem se conseguíssemos apagar os amores antigos, também perderíamos experiências e conhecimentos adquiridos com ganhos ou perdas.

E lá estava eu numa praça em frente ao Colégio José Maria Whitaker, Zona Sul de São Paulo, com uma namorada. Não era uma namorada qualquer para mim, porque se fosse não estaria me lembrando dela neste exato momento após 17 anos. Era dia 25 de janeiro, portanto aniversário da maior metrópole do Brasil, a terra da garoa e dos sonhos nordestinos.

Fabiana e eu estávamos sentados na grama verdinha e acolhidos pela sombra de uma árvore frondosa. O medo de a mãe dela descobrir pairava mesmo ela morando longe dali: Vila Moraes. Não me esqueço daqueles olhos verdes vivos cintilantes, dos lábios carnudos, dos cabelos louros escuros que escorriam até a cintura, que por sua vez, era afinada tal qual pilão citado pelos poetas românticos. As suas mãos delicadas tocavam, numa carícia inédita para mim, meu rosto ainda sem barba. Eu estava deslumbrado. Não sabia o que era sentir o medo de amar, por isso me entreguei de alma e espírito, sem rancor ou mágoas pregressas.

Entre conversas bobas, brincadeiras sadias, risos descontraídos olhei naqueles olhos de jade e disse sem temor:

- Eu te amo!

Não era um "eu te amo" comum. Era o meu primeiro "eu te amo", uma afirmação que perdurou após anos de separação e sem vê-la. Naquele tempo o meu coração não tinha malícia ou dolo. Fui sincero e me abri como muitos homens não o fazem mesmo depois de estarem casados por dez anos. Fabiana, com um sorriso disfarçado disse as mesmas palavras que as minhas e aquilo me trouxe uma felicidade incalculável.

Aos meus olhos, ela era perfeita, a mulher ideal; depois dela nenhuma outra conseguiu tanto da minha alma em tão pouco tempo.

Mas, aquele "eu também te amo" era falso. Eu nunca acreditaria e mesmo que me provassem do contrário demoraria muito a cair a ficha, porque ela disse com todas as letras.

O sol estava radiante e sentir aquele corpo jovem e cálido me fazia vivo. Hoje, arremedo de gente jogada à traças relembro daqueles lindos momentos e ainda me pergunto: por que ela mentiu para depois dizer que não me queria, isso após três meses desse episódio, mesmo vendo as minhas lágrimas contritas, mas verdadeiras, implorando quase que por misericórdia, para que não fosse embora?

Hoje em dia eu não sei se é uma dádiva ter boa memória já que padeço de saudade e sou cercado pelo engano.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 25/01/2013
Reeditado em 25/01/2013
Código do texto: T4103978
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