Puxando o fio da meada.

No desejo de registrar um evento, pego o meu caderno de rascunho e um pequeno lápis com uma borrachinha desgastada no seu extremo.

Pequeno e desgastada pelo trabalho que me prestaram, uma vez que ele, por vários dias a fio, foram meus parceiros nesta maneira tradicional que trago comigo: escrevo rascunhando a lápis, hábito que me acompanha por toda vida e que não tenho nenhum interesse de substituí-lo por outro.

Meu computador, no seu cantinho, espera chegar a sua hora e, ao concluir meu rascunho, digito as palavras, que, acreditem, chegam a meu caderno por um caminho bem mais fluente se comparado ao teclado na digitação.

Mas, “Puxando o fio da meada”, esse meu lápis me faz lembrar o texto de Pedro Bandeira, intitulado “O toco de lápis”, lindo e sugestivo para se trabalhar na sala de aula. As mensagens claras e outras nas entrelinhas nos conduzem a uma verdadeira aula de opiniões, de questionamentos e de diálogo entre alunos e professor. É só “puxar o fio da meada e o texto vai lhe oferecendo motivos para muita conversa.

Vamos porém ao evento que hoje desejo registrar;

Era uma manhã de sábado e, aproveitando esta manhã do sol que prometia esquentar mais tarde, fui a um armarinho próximo a minha casa para comprar umas meadas, a fim de iniciar o bordado de dois quadrados de tamine para compor a colcha da amizade que eu e minhas companheiras da Casa da Amizade resolvemos confeccionar.

Como já havia saído de casa, resolvi dar uma passada rápida na casa de uma prima, que há poucos dias havia perdido sua mãe e, naquele momento, se fazia justo minha visita,

Chegando lá, por ser dia de sábado, encontrei, tomando aquele cafezinho de visita uma família da zona rural: uma senhora, seu esposo e dois netos (14 e 15 anos), pessoas amigas da dona da casa.

Logo me tornei também conhecida e passei a participar não só do café, mas de um gostoso bate-papo a gosto daquelas pessoas.

Com a minha mania de educadora logo me interesso pelos jovens. Conversamos sobre sua escola, as aulas, o transporte e os professores. Outra vez fui “puxando o fio da meada”. Quis saber que séries eles estudavam. O de quinze anos me respondeu prontamente:

_ Eu faço a 8ª. Série.

O de catorze anos titubeou ao me responder, até que sua Avó o fez:

_ Esse aí faz a 5ª. Série. Ele tem a cabecinha dura, eu e sua mãe sempre fala isso com ele.

Fiquei sem graça diante daquele garoto e me senti culpada pela humilhação mas logo procurei reverter aquela situação. De forma descontraída procurei fazer aquele garoto se sentir menos ofendido e, em tom de brincadeira, coloquei a minha mão bem aberta sobre seu boné e lhe disse:

_ Todos temos cabeça dura, não é mesmo?

De forma discreta dei um alerta para a avó para nunca mais dizer aquilo.

Ao ouvir a fala da avó, “puxando o fio da meada”, me remeti a um professor meu, quando da minha especialização, que nos falou da “PROFECIA AUTOREALIZADORA”, feita por professores e pais diante dos alunos, dizendo que eles vão ser reprovados e a profecia se realiza.

Continuando a conversa eu disse que saí de casa para comprar umas meadas e que o preço me assustou, uma vez que há anos nunca mais precisei dela desde que mudei de profissão de bordadeira para educadora.

Nesse ínterim ouço aquele garoto de “cabeça dura” perguntar a sua Vó:

_ O que é isso? – referindo-se à meada.

Tomei para mim a pergunta e lhe expliquei o que era meada, mostrando-lhe as que eu havia comprado. Aproveitei a oportunidade e lhe disse:

_ Parabéns! Você já conseguiu me mostrar que é um menino inteligente, curioso e tem toda condição de passar de ano. Pergunta o que não sabe. “Cabeça dura” não é assim.

Voltei para casa pensativa e, no meu pensamento “ puxando o fio da meada”, foquei-me na educação. O que fazer para se chegar à qualidade. O que fazer em benefícios das crianças e jovens que, por culpa de adultos desinformados fazem acontecer a profecia autorealizadora.

E assim, a cada passo, no meu pensamento fervilhavam milhares de ideias e as maravilhas da nossa Língua Portuguesa sempre fazem parte delas, jamais estariam de fora.

Pensei no dinamismo e na força das palavras. Algumas delas que não acompanham as novas gerações, que nos fazem admirar como um garoto de catorze anos já não sabe o que é meada e a ele lhe é dado o direito de não sabê-lo.

E assim ao chegar a minha casa resolvi compartilhar com alguém os fatos acontecidos naquela manhã de sábado. O meu interlocutor nesse momento foi o meu filho de trinta e seis anos, já com uma boa caminhada profissional na área de saúde e que ao ouvir aquela história, para minha surpresa, me fez a seguinte pergunta:

_ E o que é mesmo meada, Mãe?

Aí sim, não tive mais como “ puxar o fio da meada”.

Diná Gomes Fernandes
Enviado por Diná Gomes Fernandes em 29/01/2013
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