DIÁLOGO COM A VELHICE
 
“Não me rejeites no tempo da velhice;
não me desampares,
quando se for acabando a minha força.”
(Salmo 71: 9, Bíblia Sagrada)

 
          O medo da velhice sempre acompanhou o homem. Em tempos remotos, Davi orou a Deus pedindo para que Ele não o abandonasse com a proximidade de sua morte; e isso, não é diferente na atualidade. O temor de doenças, do sofrimento, do abandono, da perda do controle físico e psicológico, entre outras incertezas, típicas da idade avançada, causa pavor para muitos que não aceitam a passagem do tempo como algo positivo para suas histórias de vida.

          A sabedoria popular nos ensina que a quantidade de cabelos brancos e rugas no rosto são diretamente proporcionais à experiência de vida. Compactuo plenamente com essa idéia, e a reforço dizendo que as marcas do tempo são dádivas que o conhecimento científico e os anos de estudos não podem oferecer. A propósito: quem já conheceu alguém que sem nunca ter entrado numa sala de aula o impressionou com palavras de sabedoria? Creio que os leitores desta crônica, quase na totalidade, terão respostas afirmativas. Afinal, homens sábios estão presentes nos mais variados lugares e diferentes culturas, sem a necessidade de uma educação ortodoxa.

          Entristeço-me ao constatar que a cultura da nossa sociedade pouco valoriza os idosos. Não raramente, nos deparamos com os noticiários da televisão, bem como outras mídias, divulgando violência, maus tratos e descaso com os idosos, principalmente na família, que deveria fornecê-los cuidado e proteção, mas acaba sendo seu algoz. Mais triste ainda é saber que possuímos o Estatuto do Idoso, que apesar de ter sido elaborado com rigor, não é capaz de impedir, por si só, episódios lamentáveis contra os nossos “velhinhos”.

          Destaco que pesquisas estatísticas comprovam que a expectativa de vida dos brasileiros tem aumentado consideravelmente; talvez, em pouco tempo, chegaremos a índices similares aos do Velho Mundo. Ponto para a ciência, que está conseguindo prolongar a vida! Contudo, não posso deixar de frisar que o aumento da expectativa de vida caminha junto à Síndrome de Peter Pan, pois inúmeros idosos perderam a noção do tempo e espaço onde vivem, comportando-se como eternos adolescentes. Hoje, os vovôs e vovós tradicionais estão praticamente em extinção, e os atuais, conectados com o que há de mais moderno no mercado, desde esportes radicais até a participação em mídias sociais.

          É importante ressaltar que a velhice traz sabedoria e experiência, mas como brinde vêm doenças como: artrite, artrose, reumatismo, diabetes, alto colesterol, insuficiências diversas, entre outros contratempos que consomem a maior parte da aposentadoria de quem trabalhou a vida toda para, no final dela, gastar quase todo o seu dinheiro com medicamentos, enriquecendo ainda mais a indústria farmacêutica. Tudo por culpa do metabolismo, que teima em ficar preguiçoso. Pior ainda, como diria um antigo professor meu, é a companhia dos “primos alemães”: Alzheimer e Parkinson não perdoam, nocauteiam seus acompanhantes sem piedade e o massacram até a morte.

          Considero ainda mais grave do que as doenças típicas da velhice, o abandono familiar. Lembro-me, como hoje, que aos dez anos de idade visitei um abrigo de idosos para uma gincana do colégio e conheci uma velhinha, com aproximadamente setenta anos, que me marcou bastante. Em seu quarto todo arrumado havia cama, guarda-roupa, frigobar, TV, videocassete, roupas, perfumes, e duas pessoas se revezavam no cuidado da mesma. Isso era um luxo para poucos que habitavam aquele lugar, o que despertava inveja e rejeição dos demais “velhinhos”. Numa cadeira de rodas, toda maquiada, com uma escova na mão penteando seus cabelos brancos, os olhos cheios de lágrimas e o semblante de tristeza de cortar o coração da criatura mais fria, ela nos confessou que estava muito infeliz. A anciã não tinha amigos no abrigo, não recebia visitas, bem como gostaria de morar com a filha e os netos em Arapiraca, mas seu genro não a queria com eles. Provavelmente, essa senhora não está mais viva. Contudo, hoje, percebo que ela me fez entender o significado da velhice, da fragilidade, do abandono; mas, principalmente, a importância da presença, do cuidado e da atenção para aqueles que amamos. O tempo se encarrega de tirar dos idosos a força e o vigor da juventude, tornando-os crianças novamente.

          Como amante do cinema que sou, recordo-me que no filme Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, um médico receberá um prêmio por meio século de carreira, e no caminho da universidade onde será homenageado relembra os principais momentos de sua vida. Esse teme a morte que se aproxima; algo não muito distante de todos nós. É um belo filme sobre a velhice. Disso, extraio que a vida caminha em direção à morte, e ela não é preconceituosa, não discrimina por cor, credo, classe social e conta bancária; é democrática e age sempre com isonomia – talvez, por isso, o medo do envelhecimento exista - como se o relógio do tempo de cada um fosse enfraquecendo sua bateria até parar, rumo ao desconhecido mistério da vida.

          Espero um dia poder dialogar com a velhice. Cara a cara, e como velhos amigos, quero lembrar-me dos momentos marcantes da vida e agradecê-la por ter existido, por ter me dado rugas, cabelos brancos (mesmo que poucos) e sabedoria; e como um bom vovô, muitas histórias para contar aos que se propuserem a ouvir. Na Bíblia, profetiza-se que “Na velhice ainda darão frutos, serão viçosos e florescentes. (Salmo 92: 14)” Assim, quero produzir esses frutos e deixá-los para a posteridade como prova de amor à vida e a Deus, que me concederá a graça de olhar para trás - com um sorriso no rosto e a certeza que meu tempo nesse mundo foi bem vivido - até o Seu chamado para o assento etéreo.


(Imagem: Internet)