Caramujos

Sei da importância de se fazer exercícios físicos, apesar de nunca ter sido atlética. Era na adolescência o que hoje chamam de nerd. Talvez não um gênio, mas gostava bem mais da biblioteca que da aula de educação física. Amava ler desde bem pequena. Ainda na sexta série descobri a biblioteca municipal e fugia para lá sempre que havia janelas nas aulas, ou quando saia mais cedo. Entrava de fininho pensando em uma boa desculpa para estar ali: _ Minha professora pediu que lesse um livro _ Tenho que ler esse livro para um trabalho...

Imaginava se a pessoa responsável acreditaria. Pensava em como explicaria se fosse pega na mentira. Jamais me passava pela cabeça que estar ali fosse algo natural e que deveria até ser incentivado. Minha mãe não achava que ler fosse a coisa mais importante desse mundo, ou realmente eu ficava tempo demais com livros nas mãos. O certo é que ela sempre me repreendia e ler era para mim algo tão prazeroso que me refugiava por horas nas páginas amarelas dos velhos livros da biblioteca. Já mais grandinha descobri que podia pegar os livros emprestados e levar para casa por um período de tempo bem maior do que eu precisava para lê-los, devorava livros e livros. De romances, policiais, filosóficos, biografias... eram escolhidos pelos títulos, sem preocupação com autores , embora eu não conhecesse nenhum deles naquela época. Lia Machado de Assis, Eça de Queirós, Jorge Amado, Agatha Christie e etc.

Era um mundo mágico, lindo, deslumbrante. Cada detalhe descrito me transportava para lugares, perfumes, sabores e amores.

Desde esse tempo, gosto de em alguns momentos ou sempre que me lembro, de imaginar minha vida e meus afazeres como parte de uma história escrita. Imagino como os autores descreveriam as cenas das situações cotidianas de minha vida.

Voltando ao fato de que não curto fazer exercícios, embora saiba da necessidade, me obrigo a fazer uma longa caminhada todas as manhãs. Vou de carona até quatro quilômetros de distancia de minha casa e retorno a pé. Claro que sempre procuro um bom motivo para não ir, mas na maioria das vezes sou obrigada a ir, por não achar desculpa que amenize a conciência da preguiça, então tento fazer disso algo poético.

Hoje de manhã, enquanto caminhava, esquecida de que a vida pode se tornar um belo romance, pensava somente em chegar em casa o mais rápido possível deixando a deslumbrante paisagem a minha a volta passar batida. Caminho na calçada da praia, sob coqueiros carregados de cocos verdes, quiosques de lanche em espaços definidos, jardins bem cuidados e floridos. A meu lado caminham idosos lentos, jovens rápidos e bem torneados e pessoas com seus cães de estimação. Vou cumprimentando com um sorriso as pessoas que passam por mim, mas hoje particularmente, estava deixando de ver a vida a meu redor e fui despertada da letargia e do alienamento provocado pela familiaridade com a paisagem. Com certeza meus olhos se abririam se estivesse visitando um país estrangeiro ou um outro lugar desconhecido.

O mais interessante foi o que meu cérebro usou para me despertar . Um caramujo, lento caminhando, ou mais precisamente se arrastando com suas anteninhas bem atentas e vibrantes. Na verdade eram dois caramujos de proporções consideráveis. Minha primeira reação foi de asco. Depois me lembrei dos livrinhos infantis, com seus jardins desenhados decorados com borboletas, joaninhas e caramujinhos simpáticos e felizes com suas anteninhas. No mesmo instante pensei : Porque essa mesma cena vista nos livros me enternece e ao vivo me causa nojo? Foi então que como em um passe de mágica percebi a vida ao meu redor. O mar se agitava em protuberantes ondas rendadas de espuma refrescante, gaivotas muito brancas com seus vôos curtos exibiam suas asas com a elegância de uma bailarina. O sol brilhava intenso e quente. Por todos os lados o verão se manifestava, lindo e convidativo. E eu quase perdi esse capítulo da minha vida por não prestar a atenção devida aquilo me cercava. Agradeço aos dois caramujinhos da calçada úmida. Obrigada por me trazerem de volta ao momento presente e vivo do meu dia. Obrigada por me inspirarem a viver, mesmo sem saberem disso.

Rosahoney
Enviado por Rosahoney em 05/02/2013
Reeditado em 05/02/2013
Código do texto: T4124424
Classificação de conteúdo: seguro