UM BANDOLIM IN CONCERTO

A terra onde eu nasci e me criei até os meus verdes anos, por ser uma terra serrana e naqueles tempos, num grande isolamento dos centros maiores, os seus habitantes, viviam praticamente do árduo trabalho do campo, donde tiravam todo o seu sustento, desde o pão, o azeite e um pouco de vinho e, até mesmo, seu vestuário do linho que também cultivavam e da lã das suas ovelhas. Eram autossuficientes, em quase tudo. Naquele tempo, ali ainda havia a pastorícia de cabras a monte, que além de algum lucro para seus donos, também serviam de repasto aos lobos que habitavam aquelas serras. Mas como estes animais devoravam tudo que encontravam pela frente, inclusive os pinheiros que iam nascendo, a solução foi terminar com aqueles rebanhos de caprinos.

Hoje, ali,vive-se do dinheiro da madeira dos eucaliptos destinados à celulose, mas com o agravante, para lá de ser árvore prejudicial ao terreno e às nascentes de água , deixaram a paisagem mais monótona, outrora tão bela e apaziguante.

Pintado ainda que em pálidas cores o quadro, fácil será deduzir que por ali nada de mais importante acontecia. Em compensação a vida familiar era mais intimista, especialmente há noite ao redor das lareiras nos prolongados serões nas noites de inverno.

Quando algum trupe ( de pequeno porte) circense aparecia pela terra, era uma festa, e como não havia casa de espetáculos, improvisavam-se tais apresentações até em casas-palheiro que eram adaptados para aquelas ocasiões.

Também eram conhecidos os concertos de bandolim do Prof. Antunes que, foi marido da Profa. Celeste minha saudosa professora do primário. Pois bem, o Prof. Antunes assim conhecido por toda a gente da terra, e teve aposentadoria compulsória devido a problemas de instabilidade mental. Ainda assim, dava gosto de conversar com ele nos seus momentos de mais lucidez, lá no banco do largo dafonte, pois, era um homem de uma inteligência aguçada e de alargada cultura, e entre as suas habilidades estava a arte de tocar bandolim. Era um amante da música. Quando não tocava seu bandolim, ouvia música em seu gramofone de corda que apesar de não ter a potência dos modernos aparelhos eletrónicos de hoje, dava para ouvir a apreciável distância.

Em certas tardes especialmente no verão, não raro era ouvir seu bandolim lá de uma varanda da sua casa da qual se descortinava uma visão do mais profundo telúrico, tendo os verdes campos, o rio, e a serra como pano de fundo. Soma-se a esta recordação o filme, “como era verde o meu vale” realizado por John Ford. Mas este meu vale do bandolin in concerto, por certo é bem mais bonito e mais cheio de belas recordações.

Diga-se que o prof. Antunes tocava magistralmente. Ainda muito novo, quantas vezes me deleitei com seus belos acordes que se espraiavam e enchiam o longo vale por onde corre o meu rio Agadão, e cujo vale que lhe servia de leito aumentava a ressonância que se diluia à distância. Aquelas melodias devem ter aguçado os caprichos de certo melro que sobre um velho muro assente sobre um pequeno outeiro chamado Cabeço da Almoínha, onde ele o melro também costumava extravasar todo o seu lirismo de inefável cantador. Dueto simplesmente divinal, indizível, que deve ter se repetido por muitas vezes. Naquele tempo eu acreditava que o paraíso era mesmo ali, mas que, irremediavelmente se perdeu para sempre. Mas ficaram-me as memórias que fazem parte do mais belo ramalhete que ainda alegram meu viver e, onde de quando em quando, bebo do telúrico que ameniza esta sede de minha caminhada.

19.9.2012

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 12/02/2013
Reeditado em 12/02/2013
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