O bairro, necessáriamente o  Roger, o ano, já perdido no passado. Na rua Martim Leitão, o dia amanhece preguiçoso. Do terraço açobradado sente-se o cheiro da bica, cheiro de folhas, de flores, de bicho.  Seis e meia , e lá vou eu, sob o olhar fiscalizador da irmã mais velha, em direção ao colégio das neves.
         O percurso era interrompido várias vezes... Qualquer motivo era motivo para uma parada... Um olhar em algum espelho que por acaso surgisse, uma flor, um pássaro... O desejo de me perder pelo caminho, persistia. Na verdade, muitas vezes, eu nem lá chegava.
         Meu cabelo era comprido e o balançar aumentava pelo caminhar quase dançante. A vida era uma festa, eu era uma festa.
         A dois quarteirões de casa, havia uma janela que dava para um quarto cheio de livros e um par de olhos verdes. Eu passava, eles me seguiam... Que alegria, meu caminhar continuava agora seguido pelos olhos de meu poeta. Em pouco tempo estávamos em frente ao portão alto, imponente, cerceante, para mim, símbolo de uma prisão... Mas, demorava pouco. Do outro lado, outro portão me garantia a tão sonhada liberdade. Eu fugia... Fugia para descobrir e viver uma vida de lirismo e aventuras... Puras aventuras.
          Por trás do imenso pé de oití, lá estava meu poeta. O riso era inevitável com minha aparição. Dávamos as maõs e decíamos lépidos a ladeira da catedral. O destino, a balaustrada do Hotel Globo. Caminhávamos ao som de poemas inéditos, instantâneos. Alí nasceu o ITINERÁRIO LÍRICO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA. O rio Sanhauá nos recebia imponente, preguiçoso. O rio ria e nos dava boas vindas. Éramos felizes, ingênuos e inconsequentes.
         A sala de aula e suas freiras ranzinzas tinham ficado para trás. À nossa frente, só lirismo... Eu era a musa, a companheira de fugas matinais.
          O sol já esquentava. O sonho acabava e voltávamos. Eu entrava pelo mesmo portão, meu poeta se ia, eu ficava, mas antes me presenteva com um beijo. Furtivamente acompanhava as colegas que saiam das salas de aula, reencontrava minha irmã e fazia o caminho de volta pra casa.
         Dentro de mim, uma alegria enorme, meu coração mal sustentava as emoções vividas. Por todos os poros eu exalava poemas, ternura, amor.
          Tinha vivido mais uma manhã, mas outro amanhã certamente amanheceria, e novamente meu poeta apareceria na janela e nosso amor pariria mais poemas.
           Éramos felizes.


            Ao grande poeta JOMAR  SOUTO, com respeito, admiração e uma enorme saudade.