Espaço preferencial

Dezoito e trinta. Ônibus lotado, com pessoas retornando de seus afazeres.

Muitos trabalhadores em pé, sujos, suados, com aparência de cansaço, após um dia estafante, na construção civil. Semblantes fechados, pensando, certamente, na vida dura que levavam.

Pára o ônibus, num dos pontos intermediários.

Entra uma senhora idosa, perfumada, com roupas que contrastavam com as dos trabalhadores, na qualidade e na limpeza. Devido à idade, não lhe foi cobrada a tarifa, uma vez que os idosos têm tarifa subvencionada, por lei.

Olha em volta, procurando um lugar para sentar-se. Todos os bancos ocupados.Aproxima-se dos bancos reservados aos idosos, dirige-se a um trabalhador que aparentava muito cansaço,estando até semi-adormecido e lhe diz: - Por favor, cavalheiro. Ceda-me o lugar. Esses bancos são para os idosos.

O homem levanta-se, como que impelido por uma mola, olha assustado para os lados e afasta-se para que ela possa sentar-se. Ela o faz, após alguns minutos, esperando que o banco "esfriasse".

Enquanto o ônibus prosseguia, a senhora entabulou conversação com a vizinha, sentada ao lado, certamente sua conhecida. Papo vai, papo vem, quem estava ao lado ficou sabendo que ambas estavam indo a uma casa de "bingo" - que funcionava na cidade naquele período, para passar algumas horas agradáveis, pois não tinham como ocupar o tempo ocioso de suas monótonas vidas, pobres velhinhas...

Com todo o respeito às pessoas idosas que, a seu tempo trabalharam para construir o que aqui está, ficou no ar e na mente de todas as pessoas medianamente sensatas, um questionamento sobre a situação:

Trabalhadores extenuados, pagantes de transporte coletivo, tendo que viajar em pé, enquanto descansadas senhoras - não pagantes - após um dia de inércia, ocupavam, com preferência absoluta, os lugares disponíveis, sem ao menos se darem conta da injustiça daquela situação, alienadas que estavam sobre o que se passava ao redor...