Andar de trem

O francês de ginásio não ajudara muito. “Já vi este lugar”, dizia uma voz de desconfiança lá no íntimo. Mas como, se estava indo e não voltando? Voltava! O francês de ginásio não era exatamente a melhor ferramenta para viajar sozinho num país onde falar inglês ainda era sacrilégio. Ao chegar novamente à Alemanha, a certeza: distraído e meio burrinho, peguei o trem de Paris e não para Paris. Como consequência, o primeiro e único dia na Cidade Luz resumiu-se à emoção do trânsito doido da estação ao aeroporto. Foi minha última viagem de trem; não por despeito, mas por falta de oportunidade. Depois disso, somente trechinhos nostálgicos de Maria-Fumaça.

Cedo – e parecia mais cedo do que era – pegamos o ônibus do Kock para a Estação de Serra Alta. Num vagão de segunda, um dia inteiro até Porto União. Com direito a almoço de frango recheado, fuligem e fumaça entrando pela janela durante quase toda viagem. Não pensei em ser maquinista, mas vestir o uniforme garboso do funcionário que anunciava as estações – “Paciência, Jararaca...” passou a sonho instantâneo. À noite, depois de uma volta ao mundo, União da Vitória, pois desembarcamos do lado direito; do esquerdo seria Porto União. Não concebia que um trilho pudesse separar dois estados; divisas deveriam ter muros! Também não sabia, e só soube muitos anos depois, que os dormentes de quase todo o trecho estavam manchados de sangue.

Andamos juntos por um bom tempo: Porto União várias vezes, já não de Maria-Fumaça, mas igualmente demorado e barulhento; Linguado – verdade, ele parava lá – para ir a Barra do Sul na carroceria de uma picape velha, depois já usávamos Araquari; Corupá (cadê mulher que oferecia: “Flóres, flóres”?), e da estação mais duas horas de bicicleta à noite para um lugarejo ao pé das montanha; Mafra, para um namoro que saiu dos trilhos em 15 dias; Joinville, com as bicicletas no bagageiro.

Um dia cismaram que progresso eram estradas de rodagem e mataram a magia. Ainda o encontro: às vezes provoca tripas de carros ao interromper o trânsito em suas passagens. Sem nossas fantasias, está muito mais comprido, anda com duas, três locomotivas, virou operário de patrão americano. Ficou triste, perdeu o encanto: já não leva janelas e nem rostos nelas.