Cine Alvorada

Claudinho já não agüentava mais a tortura que sofria todos os anos quando ia passar férias na casa do primo Julio, mais velho seis anos e que já era freqüentador assíduo do famoso cine Alvorada.

E pior do que não poder ir ver os filmes chamados “proibidos” era ouvir os relatos do primo descrevendo as cenas picantes das musas da época: Vera Gimenez, Sandra Bréa, Sandra Barsotti, Vera Fisher e outras menos famosas, mas não menos desejadas.

Para a época as cenas picantes se resumiam em nudez ou semi-nudez, uns beijos e mais nada, a maioria voltado para a chanchada.

Mas isso não importava em nada para o jovem que sonhava em virar adulto, nos seus doze anos ainda perdia noites de sono imaginando o dia em que ele poderia finalmente chegar na frente do porteiro do alvorada e entregar o bilhete, torcendo para que ele pedisse a carteira de estudante ou a identidade para a comprovação dos seus dezoito anos! Assim a vingança seria perfeita! Provaria que tinha os tais dezoito anos.

Posso falar um pouco mais do Cine Alvorada, aquele cinema de bairro, ainda novo, poltronas bem certinhas, as cortinas ainda não totalmente empoeiradas, pelo menos não parecia.

Era o máximo para o jovem o dia em que ele fosse visto entrando, no meio dos rapazes da cidade, talvez pouquíssimas moças, afinal o filme em questão não era para moças de família, estamos nos últimos anos da década de sessenta, ainda em plena ditadura militar, onde os costumes passavam sempre pelo crivo da velha família brasileira.

Claudinho já havia planejado muitos truques para tentar burlar o seu Jorge, porteiro do Alvorada, mas contra ele existia o fato de ser vizinho do seu Jorge, esse conhecia seus tios e sabia que a idade daquele guri ainda regulava com a do seu filho mais velho, o Zezinho.

E para piorar, Zezinho conseguia ver os filmes proibidos na clandestinidade, na sala de projeções ou quando o cinema estava fechado ao público, isso não era justo, pensava Claudinho:

“Isso é nepotismo barato!”

E Zezinho também tirava sarro da cara dele se vangloriando que viu as musas peladinhas. Claudinho só não voava no pescoço do colega porque ainda tinha a esperança de ser convidado num dia desses para ver também.

Os anos foram passando e Claudinho já estava com aquela mudança da voz, que ficava rouca, que deixava o fino da voz de um menino para virar a voz de um rapaz.

Rapaz ainda não realizado, ainda faltava ir ao Alvorada e ver o filme em cartaz que dizia:

PROIBIDO PARA MENORES DE 18 ANOS.

Claudinho se preparou, colocou a velha calça jeans, camiseta com a estampa dos The Beatles preta, cabelos compridos, identidade no bolso, já não era mais seu Jorge o porteiro, mas a vingança seria plena, afinal era o cine Alvorada!

A sessão inicial era às 18:00 hs, Claudinho fez questão de chamar seu primo, aquele que se vangloriava à contar as cenas dos filmes proibidos, ele precisava de testemunhas para esse dia tão especial.

Portaria se abrindo, Claudinho foi o primeiro da fila, com seu bilhete na mão esquerda e a mão direita no bolso da calça, pronto para tirar sua carteira de identidade como o pistoleiro a sacar sua arma letal na hora do combate!

O porteiro o olhou de maneira fria, fez cara de quem não acreditava muito na idade do cliente. Claudinho se animou com aquela possibilidade de vingança e pensou:

“É agora, ele vai se ver comigo”.

O porteiro esticou a mão, pegou o ticket e sem ao menos olhar para os olhos dele e resmungou:

“Pode entrar, hoje não vou pedir a identidade de ninguém”

O primo Julio soltou uma gargalhada.

Claudinho nem aproveitou as cenas picantes, passou o tempo todo se remoendo.

- Porque seu Jorge foi se aposentar?

José Benício
Enviado por José Benício em 19/02/2013
Reeditado em 19/02/2013
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