Amor em prosa

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”

(1 Coríntios 13:1-2, Bíblia Sagrada)

A polissemia da palavra amor possui uma riqueza maior que a diversidade dos seus significados. Para os poetas, o amor é um tema constante. Eles expressam em versos e transbordam de emoções as estrofes dos poemas e das músicas como um tecelão de palavras direcionadas ao coração dos seus leitores e ouvintes, não sem propósito. Essa precisão cirúrgica na captação de sentimentos e sua transcrição para o papel é algo que o cronista dificilmente consegue alcançar na prosa, geralmente, fruto da observação e crítica da realidade.

O verbo transitivo amar, em todas as suas conjugações, é complexo e ao mesmo tempo necessário à vida; aquele que não se permite conjugá-lo pode se considerar um moribundo, pois respira o ar da atmosfera, mas é incapaz de sentir a brisa suave da manhã, apreciar o pôr-do-sol, o canto dos pássaros, a beleza das flores, o sorriso de uma criança, a liberdade e a segurança de quem ama. O amor, em todas as suas nuances é um combustível para a alma.

A etimologia de amor, vinda da Grécia Antiga, o descreve basicamente em quatro espécies: eros (se refere ao amor sexual, entre homem e mulher), phileo (amor entre pais e filhos, ou amor entre irmãos), ágape (o amor mais profundo, mais sublime de todos; caracteriza Deus) e storge (amor afetuoso, baseado na amizade). Atrevo-me a ressaltar que suas definições são amplamente vagas, ante a inexplicável intensidade dos sentimentos de quem vivencia esses amores.

Defendo que viver o amor Eros é se apaixonar, sentindo taquicardia desde a primeira vista da pessoa amada, com o coração involuntariamente teimando em desacelerar; é suar frio sem conseguir proferir uma palavra ou esboçar qualquer expressão corporal; é estremecer dos pés à cabeça com um simples toque, cheiro ou olhar; é querer estar sempre junto: abraçando, beijando e fazendo carícias, numa explosão de reações hormonais que não se pode controlar. Logo, amar é ultrapassar o estágio inicial da paixão multiplicando os sentimentos: cultiva-se a amizade e cumplicidade, sente-se a alegria e a dor do outro, compartilham-se as tristezas e felicidades, e, principalmente, reacende-se e renova-se o fogo da paixão por toda uma vida; na verdade, é um contrato vitalício com o Cupido.

Da segunda espécie de amor pode-se dizer que a paternidade/maternidade proporciona o usufruto de um sentimento descomunal, a abdicação de si em prol da cria, a transferência de prioridades individuais para o filho amado; não à toa, um famoso ditado popular afirma: “quem a boca do meu filho beija, a minha adoça”. Esse laço de afetividade se inicia no ventre materno e se propaga por toda a vida; é a maior expressão do amor phileo. Para os pais é desolador imaginar a possibilidade da inversão da “lei natural da vida”; a perda de um filho destroça seus corações e sonhos para o futuro do descendente. Tenho certeza que a maioria deles negociaria com a morte, trocando de lugar com o filho desfalecido, se assim pudesse fazer; afinal, o cordão umbilical que une pais/filhos, na prática nunca será rompido. Ainda, de grande beleza é o amor do filho pelos pais, entre irmãos e pela família. Contudo, triste é constatar que a desestruturação familiar e a inversão de valores na sociedade contemporânea estão transformando numa raridade a presença do phileo nesse meio.

Quanto ao amor ágape, bastante citado no Novo Testamento, garanto que é algo que não se explica; é um sentimento sublime e grandioso compreendido apenas pela fé daqueles que crêem; não se contesta, apenas se permite sentir. Compactuo com a Bíblia quando essa defende a idéia que para entender a palavra e o amor de Deus deve-se minimizar a inteligência e maximizar a fé. Segundo o Livro Sagrado: “Deus, amou o mundo de tal maneira que enviou seu filho unigênito para nos salvar”. Jesus Cristo foi a maior expressão do amor ágape. O filho de Deus se revistiu de forma humana para propagar o amor, a paz, o perdão e a vida eterna. Ele contestou os “sábios” da época, curou doentes, defendeu os rejeitados, morreu injustamente, perdoou seus algozes e ainda deixou seu legado para a posteridade. O Cordeiro de Deus, que tirou os pecados do mundo, é a personificação do verbo AMAR.

Friso ainda que a Santíssima Trindade (Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo), bem como o amor divino, transcendem a experiência científica e a racionalidade, e, independentemente da aceitação dos incrédulos (céticos, ateus e agnósticos), sempre existirão no plano espiritual. Creio que a oração seja o elo entre Deus e o homem, possibilitando a dádiva de enxergar o amor ágape em suas diversas formas de manifestação. É inexplicável, mas esse amor está presente no coração e na vida dos que crêem. O simples olhar para o horizonte, a constatação da imensidão do oceano, a observação da máquina perfeita que é o corpo humano, a felicidade com a percepção da beleza dos lírios dos campos, a crença na vida eterna; tudo isso é amor de Deus.

A amizade, a confiança, o afeto e o entrosamento também representam uma espécie de amor, o storge. Essa relação fraternal é muito maior que o mero coleguismo e a simples convivência diária, despretenciosa; é fruto da identificação com o próximo, da empatia ou simpatia fortalecidas com o sentimento de bem querer. O amor storge existe quando se compartilha um segredo na certeza que ele não será divulgado; quando se ajuda na solução de um problema sem pedir nada em troca; quando se ouve o amigo nos momentos de dor e tristeza oferecendo o ombro para chorar, enxugando suas lágrimas e reanimando-o com palavras de sabedoria e força. Não há idade para o storge; seja compartilhando as travessuras da infância, as aventuras da adolescência ou os problemas da vida adulta, quando permitido, ele existirá.

A propósito: a quem creditar a invenção do amor? Arrisco-me a dizer que seu criador anônimo não deu explicação para sua existência. Porém esse genial inventor foi mais criativo e útil para a humanidade que Da Vinci, Einstein, Graham Bell ou Fleming. Essa obra-prima se perpetuará pela eternidade se o homem regá-lo, compreendê-lo e propagá-lo; vários frutos brotarão da sua árvore e muitas músicas ainda serão compostas em sua homenagem. Afinal, amar é o antídoto da fome, da miséria, da desigualdade e da guerra. O problema é que a chegada do estágio de percepção humana sobre a grandiosidade e importância do amor ainda é uma quimera.

Somos descendentes do amor e vivemos para festejá-lo com efusão. Se pudermos expressar nossas vidas num quadro, que seja nas cores diversificadas e alegres do amor; se através de uma canção, não necessariamente melosa, que seja de pleno e verdadeiro amor; e se nada disso for suficiente, independentemente da reciprocidade, simplesmente amemos. Em verso ou prosa amemos a Deus, ao próximo, à companheira, aos pais, aos filhos, aos irmãos, familiares, amigos, animais, nossos trabalhos, nossas origens e vidas (de eterno aprendizado), por mais difícil que seja. Até o crepúsculo do tempo ou ceifar dos nossos dias, bebamos no cálice da felicidade e nos embriaguemos de amor com intensidade.

Robson Alves Costa

(20/02/2013)