SENTIMENTO DE MADRUGADA

Deambulava eu pacata e lentamente no cais, na gare, na sala de espera, no mini - - centro comercial e por sorte nos lavabos, onde fui sem grande vontade, mas com grande premonição de apertos na madrugada e na rua, quando de súbito aí fui lançado pela engrenagem dos Caminhos de Ferro Portugueses (C.P.)

À minha chegada ao átrio da estação o quadro electrónico assinalava já um atraso de vinte e cinco minutos para o meu comboio, ou melhor para o comboio do meu filho vindo de Tomar. Enfim não é muito para a nossa mentalidade que não é britânica.

Daí que encarasse o atraso como “o nosso atraso” normal diria mesmo geral, para além do crónico da C.P.

Confesso que acelerei para chegar a horas, e creio que o maquinista do comboio de Tomar fez o mesmo, mas todo o vapor não deu para nos encontrarmos abrigados nesta gare de Santa Apolónia. Foi pena porque entretanto agravou-se o atraso para mais de uma hora, e eu fui convidado a sair para a rua, posto lá fora, em português enfático eu diria mesmo; no olho da rua, onde aquela hora desfrutava da companhia “reconfortante” dos sem abrigo, marginais, toxicodependentes, arrumadores já sem automóveis para arrumar, e presumo que empregados nocturnos da manutenção da C.P., pois a esses polícia que me expulsou abria-lhes a porta.

Na rua sozinho como outros raros seres ali perdidos, reflecti na situação e achei-me mal tratado pela C.P., mas estes que me ferem a alma, meu Deus, são sem abrigo de quem? De mim, de ti, de todos nós que os expulsamos.

Talvez também muitos dos meus companheiros desta madrugada tivessem sido maltratados na outra C.P. (casa dos pais).

Provavelmente alguns não foram como eu buscar os filhos ao cais e eles não chegaram a casa e cá ficaram perdidos à porta da estação vagueando o olhar vazio como eles.

Outros talvez esperem os filhos que ainda não chegaram. Ficaram velhos e dormem entre cartões.

A estação fecha a porta a todos sem excepção.

Vamos abrir as portas de todas as estações, de todos os abrigos do mundo a todas as horas, a toda a gente, e a polícia que vigie sem expulsar ninguém.

A esperança tem direito a tecto.

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Arbogue
Enviado por Arbogue em 21/02/2013
Código do texto: T4152792
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