O Monstro e a Fotografia

Madrugada, à toa na vida, resolvi observar meu quarto e evocar lembranças do que ele foi. Num espírito de nostalgia, me deparei com o quadro que tenho na mesa: uma foto minha com a minha vó em frente ao pinheiro de natal, e curiosamente atrás do porta-retrato está um boneco meu gigante, um monstro inspirado no Godzilla. O que me chamou a atenção foi a imagem do monstro protegendo a fotografia. Acabei por notar uma semelhança entre o monstro e o ser humano, o apreço que ambos demonstram pela imagem congelada das fotos.

Não me vem à cabeça por que razão o monstro protege a foto com tanta determinação, mas compreendo, porém, o apego ao passado que faz o ser humano venerar a fotografia. Existe alguma espécie de necessidade de contar histórias inerente à humanidade, um medo do esquecimento, uma urgência em ser eterno. As fotos tornam-se âncoras da memória, representando não apenas momentos congelados, mas também todo o fragmento de passado do qual a estática imagem fez parte. A foto protege o passado.

Em uma música chamada "Fotografia", o compositor Leoni questiona retóricamente o que vai ficar na fotografia, a que responde: "são os laços invisíveis que havia". São esses laços que cabe à foto manter eternos, protegidos do esquecimento. Uma vez eternas, as lembranças são imersíveis, tornando-se verdadeiras viagens no tempo, e por sua habilidade de pescar na memória não apenas uma cena mas todo um contexto, a fotografia permite a nostalgia, a saudade.

Cá estou eu, vendo a mim mesmo e a minha vó protegidos por um monstro, este sem qualquer razão para exercer a função de sentinela que está por exercer. Talvez de alguma forma esteja o boneco-monstro ligado de alguma forma à fotografia, por algum laço invisível.